28 dezembro, 2014

Karol Konká - Batuk Freak (2013)

Matheus Donay





nota: 7,0






Por mais bizarro que pareça, conheci a Karol Conká jogando futebol no video-game. Não foi amor à primeira vista mas agradava aos ouvidos, mesmo que na hora eu não tivesse dando muito atenção à trilha do jogo. Passados vários dias, encontrei a música na linha do tempo em alguma mídia social por aí. Talvez uma paixãozinha à segunda vista, quem sabe.

A música a que me refiro é o single Boa Noite (e já adianto que é uma das melhores). O disco muito me lembrou a notória Beyoncé (entre outras) por N motivos. Presença, ritmo, ginga, culhão. Konká talvez não chegue a ser tão pop quanto a americana. Na linguagem química, uma mistura heterogênea. O beat e o pop americano, o rap brasileiro e o batuque africano.

Não costumo ser um grande fã dos ditos gêneros do disco, mas é indiscutível a importância de álbuns desse naipe dentro do cenário brasileiro. Seja pra difundir a cultura, pra consumo do público ou firmamento de identidades. Batuk Freak tem muito disso, e a Karol não mede esforços pra deixar bem claro em cada música: isso aqui vem da periferia / isso aqui vem lá da África. 

Um registro que a curitibana Conká deixa eu seu trabalho é a nova interpretação pra Caxambu, sambinha de Almir Guineto. (confesso que não sabia que a música era regravada de tanto que ficou a cara dela, rs). As letras variam entre rolês, o mundo à noite, personalidades e algum tom de crítica social.

Mais de um ano após o lançamento, recebendo ótimas referências da crítica, parece que a Karol Conká foi de fato acolhida pelos mais variados grupos e é presença confirmada nos setlists de bailes, seja na periferia ou no centro. Entre prêmios e indicações há alguns anos, Batuk Freak trouxe estabilidade e firmamento. Como diria Aristóteles: Karol Conká não é mais potência, é ato.


23 dezembro, 2014

Criolo - Convoque Seu Buda (2014)

nota: 9,2





Matheus Donay






Antes do lançamento do Convoque Seu Buda, a questão era: o que esperar do Criolo 3 anos após o (louvado seja) Nó Na Orelha? Até tinha receio que o mainstream subisse à cabeça desse cara. Tsssss, que nada. Criolo "repete a receita" do seu segundo disco. Não, não que ele seja um artista que utilize de fórmulas prontas pra fazer um trabalho - muito ao contrário. Mas mantém a humildade e a fidelidade com sua carreira artística.

Os saudosistas esperavam por algo meio próximo ao Ainda há Tempo, lá de 2006. Aquele rap sem maquiagem, tramitado em beats, simplório e de vocal tocado do início ao fim. O Nó na Orelha, sucessor, já era mais eclético. Ia do samba ao rap, do MPB ao afro, tudo isso em poucos minutos. E é bem por aí que o Criolo mantém a receita. Convoque seu buda é de tudo um pouco. Uma mescla de rap, reggae e tudo que o a brasileirice musical pode ofertar. Em Pegue Pra Ela rola um solo de guitarra que chegou a me lembrar Os Mutantes... é. Álbum que não dá margem pra falar que o rap não tem criatividade e melodia.

Temático, eu diria. Desde as vestimentas nos shows, nome e capa do álbum e a letra da primeira, Convoque seu Buda. Algo meio místico. Meio alegórico. Enigmático. Instigante. Palavras não faltam pra descrever o conjunto além-música que ronda esse disco. O intérprete Criolo também instiga cada vez mais. É em cima do palco, sendo muito mais do que um reprodutor da música, mas sendo parte dela, parte do espetáculo. Sem delongas, esse vídeo demonstra bem a interpretação para sua própria música. É olho no olho, tête-à-tête. 

Não que seja regra o rap falar sobre problemas sociais, mas o gênero ainda é marginalizado junto com quem o produz. Criolo talvez já não seja mais visto assim pois acabou bem sucedido e reconhecido pelo seu trabalho, mas ainda continua a colocar o dedo na ferida e deixar sempre nas entrelinhas a sua mensagem. Destaco Casa de Papelão como uma das melhores letras, um retrato dramático de quem luta pela moradia. Outra que vale o destaque é Cartão de Visita, que conta com a participação da Tulipa Ruiz. Uma exposição de luxúrias das mais variadas, pura ostentação. Criolo cita MC Lon portando VIP e Tássia com seu blog de fina estirpe, enquanto o menino no farol se humilha e detesta. É amigo: não é GTA, é pior, é Grajaú. Fermento pra Massa e Plano de Voo não ficam pra trás.

Criolo conquistou seu público com o segundo disco, e cativa cada vez mais pessoas com o novo trabalho. Com pouco tempo de vida, Convoque Seu Buda já é um disco cultuado. Já tá na boca principalmente de uma juventude que se identifica com muita coisa. Seja uma causa social, um descontentamento expresso nas canções ou o conjunto da obra. Criolo desempenha papel fundamental frente à classe artística brasileira. Sustenta sons tipicamente brasileiros ao mesmo tempo em que difunde um gênero que enfrenta muita dificuldade para obter espaço: o rap. Convoque Seu Buda é, de longe, um dos melhores álbuns lançados em 2014.

16 dezembro, 2014

Janelle Monáe - The ArchAndroid (2010)





Nota: 9,0 





Fernanda Rodrigues




Janelle Monáe não é para os desavisados (e por isso eu estou aqui). Estejam preparados para passar de um gênero musical a outro (no mesmo álbum) e para se pegarem balançando a cabeça no ritmo das músicas o tempo inteiro. The ArchAndroid é a sequência do primeiro EP da moça, Metropolis: Suite I (The Chase) (2007), através dos quais ela conta a história de seu alter ego Cindi Mayweather, um androide messiânico a-la os filmes Matrix (1999) e o próprio Metropolis (1927) e que deve voltar no tempo para salvar os cidadãos de Metropolis de uma ordem secreta que quer suprimir o amor e a liberdade, a The Great Divide. Tema incomum para um, ou melhor, dois álbuns? Talvez, mas isso é apenas uma das coisas a chamar atenção em The ArchAndroid.

Para entender melhor, precisamos saber quem é Janelle Monáe: born in Kansas, ela tem uma voz fabricada em corais de igrejas (impossível não imagina-la com seu topete, de terninho, sapateando no altar de alguma igrejinha do interior cantando “Oh, happy day!”) e conviveu com pais que passavam por diversas crises familiares – sua mãe era faxineira e seu pai, dependente químico. A questão é que, ao invés de isso desanimá-la, Janelle inspirou-se muito em sua mãe e em sua avó para criar seu alter ego. Ela via nas mulheres de sua família, assim como em várias outras, a figura da mulher forte, destemida, que não se abalava frente aos desafios. Dá pra ver claramente que Cindi Mayweather veste muito bem essa capa feminista através das 18 faixas que compõem o álbum, quando tem uma responsabilidade tão grande de salvar os cidadãos de Metropolis – e, mesmo diante desse desafio, ela sabe que tem poder suficiente para tanto.

E é desse modo que Janelle se libera em The ArchAndroid: destemida, ousada e ambiciosa. A aparente “loucura” de alternar entre gêneros pode soar perigosa em um primeiro momento (e estamos falando aqui de R&B, funk, pop e art rock), mas ao longo das faixas dá pra ter certeza de que ela sabe (muito bem) o que está fazendo, tendo em vista que não parece em nenhum momento que a cantora se perdeu ou que ela está apenas brincando de inovar. Já tem gente até comparando ela com Michael Jackson, Prince e Aretha Franklin depois desse álbum, mas o que a gente vê mesmo é que ela não quer apenas reproduzir o que outros já fizeram (talvez pegar uma inspiraçãozinha daqui, uma influência dali, mas sempre sendo apenas Janelle Monáe). E, bom, não é difícil perceber que não há nada muito parecido com ela atualmente, ainda mais porque ela sempre transpassa um tom muito intimista pras letras (dá pra dizer que o que ela produz parece uma sessão de psicanálise onde cada verso é uma confissão das sinapses perturbadas do seu cérebro). Quer dizer, tudo bem, ela não é a única a fazer essas paradas de diferentes gêneros musicais, mas não é qualquer um que consegue ter uma voz que se encaixe com “qualquer coisa”. Além do mais, é impossível não sentir o que cada música quer transmitir. Janelle parece ter feito questão de fazer com que o tom de sua voz se encaixasse exatamente com o feeling de cada faixa. Em “Come Alive (The War of The Roses)”, ela canta sobre um esquizofrênico e é exatamente assim que a gente consegue sentir a melodia: ensandecida, descontrolada, com lapsos repentinos. Além de querer criar uma identidade própria, Janelle praticamente fez com que cada uma das músicas tivesse a sua própria marca também, ~sem deixar a peteca cair~ na hora de fazer com que uma tivesse relação com a próxima.

Esse seu interesse por ficção científica, ainda, nos faz lembrar até mesmo da recente entrevista dos irmãos Smiths, que têm sido considerados “malucos” por ler sobre física quântica. Oi? Se eles seguirem o caminho de Janelle, quem sabe não sejam os próximos a fazer um ótimo álbum com faixas que traduzam uma história maluca de viagem no tempo, teoria da relatividade e força gravitacional (?). Depois desse conto da androide Cindi Mayweather, já deu pra perceber que a música acolhe muito bem esse estilo de literatura. Até lá, fiquemos com a revolução afrofuturista de The ArchAndroid. Deixemos Janelle ganhar mais espaço e criar um gênero do tipo Monáe-sci-fi-style ou algo assim. O que importa é que agora temos mais uma cantora com pegada visionária que não quer cair na mesmice e muito menos na nem tão famigerada mainstream. Não nos decepcione, Janelle. May the odds be ever in your favor.

11 dezembro, 2014

Identidade - Jogo Sujo (2007)

nota: 7,3





Matheus Donay






Ah, o rock gaúcho...

Wander Wildner dizia em uma entrevista que para ele essa história  não existe, que todo bairrismo é fascista e que rock é rock seja no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, whatever. Tudo bem, gaúcho gosta mesmo de valorizar o que é da terra nativa e claro, com a música não seria diferente. Desde a ascensão de bandas como  TNT, Cascavelletes, Garotos da Rua e De Falla, aliado ao forte movimento contra-cultural que tomava as ruas do bonfim em Porto Alegre nos anos 80, o rock ganhou firmamento e construiu uma identidade característica no sul. 

Obviamente, as bandas mudam, os sons acompanham as mudanças mas a bandeira do rock daqui manteve-se. A Identidade foi uma dessas bandas que ajudou a manter o movimento nos anos 2000. Batizada no começo por Identidade Zero, o primeiro álbum não tinha aqueeela qualidade de gravação, mas ainda assim não era um trabalho desprezível se levarmos em conta que era uma banda em inicio de carreira. 

Surge então em 2007 o Jogo Sujo. Com formação nova, ideias novas, timbres novos. Ok, fica explícito que o disco é um culto aos Rolling Stones, mas isso não é vergonha pra eles, que se orgulham de ter um som inspirado nos ingleses. O vocal novo de Evandro Bitt chegou como um curinga no novo estilo de som, agora dançante e transbordando energia. A própria presença de palco era outra após as mudanças. Bitt, you moves like Jagger.

Nas letras o recorrente apelo sexo-amoroso, mas sem palavras ~chulas~ e cenas explícitas. O próprio nome de algumas músicas já anunciam as tramas, como em A sós, sem pudor, Ninguém é de ninguém, e Nosso tesão não vai ter fim. A baladinha amorosa do disco fica por conta de Miss Sixty: a clássica levada nos tecladinhos e percussão cadenciada.

No instrumental, o clássico padrão rock: uma guitarrinha meio ~enferrujada~ distorcendo a levada oriunda da guitarra base. Alguns solos costurados aqui e ali. Bateria acompanhando o som e acolá uma meia-lua.

Lucas Hanke, o guitar-man ja não era mais um guri (apesar de se deixar levar pela cabeleira). Tocava em shows na banda de apoio do Júpiter Maçã. Sons diferentes dos da Identidade, ok, mas agora com outro nível de experiência, criatividade (mesmo que baseada em alguma bíblia escrita pelo Keith Richards rsrsrs) e ousadia pra substituir os violões e guitas marcadas pelos riffs trabalhados e melódicos.

Com a ascensão da internet ficou muito mais fácil achar os artistas de determinados gêneros. Hoje em dia Jogo Sujo - para aqueles que nao o conhecem ou gostam do estilo - é um album sem uma visibilidade merecida, como funciona com boa parte das bandas do RS que estão fora da rota da grande midia. Ainda assim, o álbum sustenta, junto com o trabalhos posteriores, casas de show com público fiel. Atualmente, Jogo Sujo é expectativa de boas danças e um revival agradável nos bares Rio Grande do Sul afora.


Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=f5B1k3-6S3o

08 dezembro, 2014

Flying Lotus - You're Dead (2014)

Nota: 9,0







Eduardo Kapp





Rapaiz, esse disco.

Desde 2006, Steven Ellison, a.k.a. Flying Lotus vem deixando trabalhos incríveis. Redefinindo limites musicais a cada lançamento, é um artista bastante versátil. Rapper, produtor, manjador das tecnologias e doido em tempo integral, é alguém que nunca sabemos o que esperar, musicalmente falando. 

Desde o "Until the Quiet Comes" eu fiquei cada vez mais surpreso e intrigado com os sons advindos desta persona. Quem aí lembra daquele short-film (2012) do álbum, que tinha 3 de suas músicas tocando, enquanto imagens exóticas eram combinadas com imagens (também exóticas) da periferia, mostrando uma espécie de visão das guerras de gangue do ponto de vista de um universo paralelo (???).

Era nessa mesma época que eu comentava cozamigo: "velho, essa coisa é vanguarda, é de outro mundo, não pode ser!!!". Absurdamente, essa vanguarda de Steven Ellison só se expandiu no "Cosmogramma". Agora, no "You're Dead", mais do que nunca, é a epifania máxima do artista. Aqui, todas as suas influências estão claras, todo seu modus-operandi dá as caras e tudo flui da maneira mais natural possível. Combinando de formas impensáveis o Jazz com o Rap e talvez algumas estruturas avant-garde de algo que lembra o rock underground do fim dos anos 60 e é claro: a música eletrônica, que sempre  foi peça chave em seus trabalhos.

19 faixas, com somente 2 delas tendo mais de 3 minutos. Quasi-conceitual, a temática aqui retoma também um pouco dos álbuns anteriores, que buscaram respostas para o entendimento do universo, do subconsciente, dos sonhos, da periferia e agora, neste disco: A morte. Presente na vida de todos, temida, desejada, indecifrável, o medo do desconhecido. Todos esses aspectos estão aqui explorados, transcendendo entre as lacunas do que entendemos e até onde podemos pensar dentro de qualquer um desses paradigmas sobre a morte.

Talvez, então, por unir lacunas, por buscar uma espécie de conjunto de respostas, as músicas fazem mais sentido como um todo com exceção, talvez, dos singles "Never Catch Me (ft. K. Lamar)" e "Dead Man's Tetris (ft. Cap. Murphy & Snoop Dogg)", que possivelmente foram o motivo pelo qual o disco emplacou na billboard ou algo que o valha (e eu não tô reclamando).

"Agitados" ou "parados" (eu odeio esses adjetivos pra se referir a música), a maior parte dos momentos são bastante contemplativos, expondo pensamentos e temáticas de forma sutil (ou não), num fluxo. Mesmo assim, por mais reflexivo e over-complexo que possa ser, em nenhum momento deixa de ser interessante. É aí que voltamos para o assunto das influências: o jazz está mais presente do que nunca. 

E não é qualquer jazz, ou qualquer influência: Steven Allison é simplesmente sobrinho-neto (eu não sei se isso existe) de Alice Coltrane, sim, esposa do lendáriow John Coltrane. E não pense que é um mero revival, é o clássico intimamente ligado ao novo, é a metamorfose necessária pro ciclo. Free-Electro-Hip-Hop-Jazz. 

Esse parentesco está também ligado a temática: Alice Coltrane morreu em 2007, época onde algumas faixas desse disco já estavam em seu formato embriônico. Se momentos onde a temática do álbum, a reflexão e certas excentricidades eram detalhes dos álbuns anteriores, neste é um ponto central. 

Os vocais de Angel Deradoorian em "Siren Song", cadenciados, em meio a drones e sintetizadores; a minimalista "Ready Err Not", com pequenos e estranhos sons ritmados; "The Boys Who Died In Their Sleep", que é praticamente indescritível.

Um legado é o que esse disco deixa, projeta uma sombra enorme no caminho de quem tomá-lo como influência. Experimental, visionário, ambicioso em tantos aspectos. Provavelmente entre os 10 melhores desse ano.

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=Fi3afWk_c4E


22 novembro, 2014

Tom Zé - Tribunal do Feicibuqui (2013)

nota: 4,0





Matheus Donay






Quem conhece o Tom Zé, sabe.

Irreverente, ácido, provocativo e inocente com porte de malícia nas entrelinhas. Seria estranho esperar algum trabalho dele sem esses ingredientes. A grande surpresa é que Tom muda o alvo e dirige o sarcasmo desta vez ao seu público.

Tudo começou quando Tom Zé emprestou a sua voz para o comercial da Coca-Cola em meio à polêmica Copa do Mundo que tanto perturbou o povo e, de certa forma, militantes/simpatizantes da esquerda. A obra do baiano sempre foi marcada por críticas a partir de um viés resistente ao modo americano e capitalista em um contexto geral. A politização das canções conquistou fãs que, não por coincidência, também se politizaram. Foi aí, fazendo a propaganda da "Copa do todo mundo", que as caixas de mensagem nas redes sociais foram ocupadas com críticas negativas daqueles que cobravam uma coerência entre o discurso e a prática do cara.

5 faixas contemplam o EP, todas com o mesmo tema, mesmo tempo, mesmo espaço, mesmo público-destino. Tom Zé não exita em retrucar as críticas e começa o trabalho com a música que carrega o nome do álbum: Tribunal do Feicibuqui. Acompanhado nesse jogo de sarcasmo, os convidados Emicida e Tatá Aeroplano insultam Tom na canção, com reclames do tipo "vendido a preço de banana! Americanizado! quer bancar Carmem Miranda!" o que, pasmem, revelam uma face hipócrita tanto do Tom Zé quanto do Emicida, que como representante de uma classe excluída, compactua com um evento de maior exclusão ainda, como é a Copa do Mundo.

A língua afiada segue trilhando faixa a faixa todas as composições do disco. É o que rola com Zé a zero e Taí.  Uma série de desdenhos e um braço que não se dá a torcer.

Artisticamente, Tom Zé segue grande. Jogando com palavras, brinca com poesia concretista e aliterações: copa aqui, copa acolá, coca-cola. Aquele lance meio coca-cola e coacla. O destaque do campo musical fica com o apelo em Papa Francisco, um pedido de perdão pelo "erro" do baiano. Os caras do O Terno fizeram o lance todo em parceria com o Tom. Resultou numa marchinha bem instrumentada e em grande parte do tempo cantada pelo Tim Bernardes.

No final do episódio, Tom Zé a acabou doando o cachê para uma instituição de Irará, sua cidade natal. Soou como um "tudo bem galera, vou doar a grana, parem de me incomodar." O que se presenciou foi um cara avesso ao que construiu em sua carreira, ideologicamente falando. O subversivo artista dos anos de chumbo lançando um trabalho de embate aos fãs críticos. Não é o que esperamos do bom e velho Tom Zé.


Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=w0GKk0r-W5k

16 novembro, 2014

Pink Floyd - The Endless River (2014)

Nota: 7,3







Eduardo Kapp





Nessa segunda feira (dia 10 de Novembro) foi lançado o que é provavelmente o último álbum do Pink Floyd. O último desde o Division Bell (de 1994), completando 20 anos sem nada de novo. Na verdade, não é algo exatamente "novo", afinal essas músicas deveriam ter sido o "disco 2" de um Division Bell duplo que não chegou a ver a luz do dia devido a questões contratuais e etc.

Se não é nada de novo, porque fazer disso um álbum? Gilmour e Mason pretendem, na verdade, homenagear e lembrar Richard Wright, que foi nada menos que um dos membros originais da banda, permanecendo em todos os álbuns (mesmo que em alguns como músico contratado). Morreu em setembro de 2008. Sendo muito justo, esse tributo faz com que o álbum seja quase instrumental por inteiro.

O nome "The Endless River" é provavelmente uma referência ao final do Division Bell, nos versos de "High Hopes": "The Water Flowing // The Endless River // Forever and Ever". Pode ser também uma referência a um dos primeiríssimos singles da banda, "See Emily Play" (1967): "Put on a gown that touches the ground // Float on a river for ever and ever".

Acho que já deu pra perceber que pra se falar desse disco é preciso lembrar um pouco do contexto da banda pós "The Final Cut" (1983), quando Roger Waters sai do grupo, por divergências pessoais e criativas. Ele sai pensando que a banda ia acabar com sua saída, mas após um longo processo judicial o restante dos membros consegue manter os direitos e o nome "Pink Floyd", entrando assim na "Era Gilmour", onde David Gilmour (duh?) é a liderança criativa.

Essa "era" é muito mais focada na música do que na letra, é mais cansada e mais velha, é um Gilmour refletindo sobre o fim de sua carreira (e sua vida), nostálgico. Sendo assim, é óbvio que isso ia refletir no "The Endless River". Só que a mais notória diferença aqui é que, por ser uma homenagem logo ao Wright (deusa o tenha), tem muito mais improviso no lugar das notas frias e metódicas.

São 18 faixas (e ainda tem umas 5 bônus tracks), tendo vocais em apenas uma delas, "Lost for Words" (com a letra escrita pela mulher de Gilmour). No início já nos deparamos com "It's what we do", uma espécie de Shine on you crazy diamond barata, lembrando muito principalmente pelo synth. Ou seja, esse disco é talvez o único em todo o catálogo da banda que olha mais pro passado do que pro futuro, sem apostar em nada inovador ou diferente. Virtual/literalmente são memórias e mais memórias de álbuns como o Wish you Were Here, The Wall e o próprio Division Bell.

Mas o que salva a coisa toda por aqui é talvez... justamente isso? Tudo bem, não foi uma enorme despedida com um material super significante e tudo, mas foi um ótimo jeito de, sabe, lembrar os bons tempos? Ainda dá pra ouvir uma banda se divertindo e colocando energia em faixas como "Sum" (provavelmente a melhor do disco), "Skins" (Mason se soltando, finalmente) e "Allons-Y" (os acordes The Wall-ianos).

Tudo bem que tem umas músicas que mais parecem trilha sonora de vídeo de formatura de colégio, meio Enya, sei lá. Tudo bem que em pelo menos 3 ou 4 faixas são só jams sem nenhuma direção ou propósito. Tudo bem que o Hawkin aparece OUTRA vez (porque é que ele apareceu at all em qualquer disco?).

A questão é que se você é fã, conhece boa parte do trabalho do grupo e gosta de umas coisas mais experimentais/instrumentais, é um disco que te deixa no mínimo nostálgico e pensativo.

Onde ouvir: http://grooveshark.com/#!/album/The+Endless+River/9944627

28 outubro, 2014

The Flaming Lips - With A Little Help From My Fwends (2014)

Nota: 4,3







Eduardo Kapp




Assim como Yo La Tengo, Swans e alguns outros atos, os Flaming Lips só tiveram o nome como constante em sua trajetória. Desde a fase inicial trash-punk, a aproximação com o 90's-indie-rock e consequente micro-temporada dentro do mainstream (discos como "Yoshimi Battles The Pink Robots", "Transmissions from the Sattelite Heart" definitivamente deixaram alguns hits). E, bom, depois que desceram do temporário topo, a banda adentrou todo tipo de cena e estilo underground, se inovando e mudando o tempo inteiro.

Basicamente deixaram de ser a bandinha indie rock pra ser um ato que combinava o noise-pop com um espírito completamente experimental, rejeitando toda referência normal do que compreendemos por: música. Na verdade, é difícil achar qualquer lógica sonora nos discos mais recentes. Aumentaram ainda mais os limites da experimentação, algo completamente estranho e novo. Os brilhantes "The Terror" (do ano passado) e "Embryonic" (2009).

Ainda nesse assunto, é importante entender que a banda não exatamente mudou em conjunto. Na verdade, é um bocado seguro dizer que muito dessas loucuras é tudo produto da mente doida do Mr. Wayne Coyne, mastermind da coisa toda. Ou seja, deu pra notar de onde vinha vontade e motivação pra alguns lançamentos bastante ambiciosos e idiossincráticos. O cara forçava muito a barra. Quem lembra do cover inteiro que eles fizeram do Dark Side (com os Star Death and White Dwarfs)? Ou dos lançamentos limitados fazendo parcerias completamente aleatórias (Kesha, Nick Cave..)? 

E agora, ainda mais aleatórios e bizarros, os Flaming Lips resolveram revisitar e interpretar o notório Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, lendário disco do verão de '67. Se isso não é estranho por si só, imaginem com as inúmeras parcerias que aparecem por aqui, indo desde nomes do pop atual (Miley Cyrus (!!!!!!!!!!!), Tegan and Sara), seus clássicos relacionados (StarDeath White Dwarfs) e alguns nomes conhecidos do psych-folk/pop atual (Foxygen, My Morning Jacket, Phantogram). O disco é pra ser um ato em benefício da "The Bella Foundation" uma organização em Oklahoma que fornece tratamento veterinários para animais de pessoas de baixa renda.

Se você por acaso espera ouvir algo parecido com o original, este disco não é pra você. Se você por acaso espera ouvir algo "normal" e "acessível", este disco não é pra você. Se você por acaso espera ouvir algo que tenha uma lógica e faça sentido no conceito de "álbum", não.

Aqui nesse record,  a coisa já abre de um jeito totalmente bizarro. Como cada convidado gravou as faixas em tempo e lugares diferentes e os Lips não necessariamente participam de todas as faixas (na verdade eles só aparecem em algumas), a inconsistência e a variedade são gritantes. "With A Little Help From My Friends", por exemplo, que originalmente tinha toda uma motivação ambiental, de se imaginar numa espécie de coisa teatral acontecendo, aqui parece uma ópera rock espacial competindo consigo mesma pra ficar cada vez mais estranha.

Basicamente, o estilo dos convidados fez bastante diferença onde estes participaram (não é tão óbvio assim ok), com alguns transformando as músicas em peças folk e outros em odisséias eletrônicas. Não dá pra saber até que ponto eles estão simplesmente dissecando as músicas e brincando com sua essência como bem entenderem ou tentando interpretar da "melhor forma" possível.

Algumas faixas, no entanto, conseguiram o que aparentemente almejavam: mudar completamente a percepção da faixa original de uma maneira boa. "Getting Better (com Dr Dog, Morgan Delt e Chuck Inglish)", "Within You Without You (com Birdflower e Morgan Delt) e a reprise da faixa título, que aqui está praticamente duas vezes maior e contando com efeitos diretamente do épico Pink Floydiano "A Saucerful Of Secrets", transformada pelo Foxygen e Ben Goldwasser (do MGMT).

E como é impossível deixar de comentar a presença de Miley Cyrus (que eu achei hilária, deixou seus fãs super confusxs e com raiva), essa que esperava-se ser a pior participação, está na verdade entre as mais interessantes. Ela não ficou tentando ver quem conseguia distorcer mais as músicas e fez um ~ótimo trabalho~. Além disso, a ela é quem foram confiadas duas das mais importantes faixas: "Lucy In The Sky With Diamonds" e "A Day In The Life" (que infelizmente ou não, não conta com a tenebrosa nota final de piano). Demorei um pouco pra assimilar essas duas, mas acabei gostando. O refrão de L.S.D. (essa polêmica nunca vai morrer) está sem a característica percussão, mas compensa com suas pulsantes ondas, celebrando bastante peso instrumental, aparentemente vibrando tudo ao mesmo tempo.

Enfim, este é um disco bem estranho e bizarro, de um jeito quase ridículo. É forçado em vários pontos, ambicioso como uma criança construindo uma cidade numa caixa de areia e confuso como um calouro de engenharia. Só se salva porque algumas faixas, individualmente, ficaram bem interessantes. Mas pela ideia de álbum... é melhor ouvir o original e doar diretamente pra organização aquela.



16 outubro, 2014

Ed Sheeran - X (2014)

Nota: 5,9






Fernanda Rodrigues






Lá vem o cara best friend da Taylor Swift e compositor de algumas músicas do One Direction: Ed Sheeran, com seu segundo álbum de estúdio X (lê-se "multiply"). Não foi a toa que eu coloquei primeiro as suas amizades: por mais que se tente, é quase impossível ver a identidade marcada de Ed em suas músicas. Enxerga-se muito mais outros artistas em seus versos do que o próprio autor.

Comecemos por Sing: provavelmente a maior aposta do álbum (e, mesmo assim, apenas a terceira faixa), foi uma composição feita em conjunto com Pharrel Williams (o cara de Happy, a música que a gente não aguenta mais ouvir nas rádios e propagandas) e visivelmente inspirada em Justin Timberlake. É a que mais parece caracterizar Ed Sheeran, uma vez que músicas pops não costumam valorizar tanto o violão como ele faz, mas também lembra apenas mais uma música que fará sucesso em um ano e no próximo já será águas passadas.

One, que foi a escolhida para abrir o álbum, é uma das várias baladas românticas que o cantor escolhe para fazer parte do seu lançamento, mas está entre as mais paradas e comunzinhas, o que não parece ter sido uma boa jogada. Se não fosse por Sing, e se a maioria das pessoas resolvesse escutar o disco somente pela primeira música, o respaldo do disco não teria sido o melhor dos sucessos. 

O que se pode ver, porém, a partir de músicas como Don't (aqui cabe citar que as más línguas dizem ter sido inspirada na traição de sua ex, Ellie Goulding), Runaway e Take It Back (presente na versão deluxe) é que Ed se arrisca a misturar ao pop, o R&B, hip hop e country, o que poderia até ser um diferencial para o álbum, se as outras músicas não lembrassem constantemente Over Again e Little Things, de One Direction, ambas compostas por Sheeran. 

É claro que não há problema nenhum em compor músicas para outros grupos, muitos cantores fazem (ou fizeram) isso durante suas carreiras, mas é preciso que, na hora de lançar seu próprio álbum, os compositores mostrem quem eles são de verdade e ~pra que eles vieram ao mundo. X pode sim ser considerado um amadurecimento do cantor em relação ao seu disco anterior, de nome + (lê-se "plus"), mas está mais para um pé em falso que ele deu dentro do cenário musical do que uma pisada firme que ele poderia te dado dizendo "eu sou Ed Sheeran e cheguei para deixar minha marca", e não apenas para ser mais um cantor de meia-estação.


Ele já possui cabelo ruivo e olhos azuis, o que o torna muito mais fácil de se reconhecer dentre os demais artistas (“alguém aqui conhece alguma música do cantor ruivinho britânico?”), mas já está na hora de se saber seu nome e sobrenome. Depois de fazer várias aberturas de show para sua best Taylor Swift e cantar um dueto com a mesma, estamos no aguardo para encontrar um Ed Sheeran independente e que não precise ter seu nome relacionado a outro cantor ou trilha sonora de algum filme (tudo bem que não foi qualquer filme, afinal ele tem uma música em Hobbit e outra em A Culpa É das Estrelas, mas vocês entendem o que eu quero dizer). Enfim, obrigada pelas músicas que vão embalar esse verão, Ed, mas tenha a certeza de que esperamos uma dose mais marcante e influente de pop para a próxima.

13 outubro, 2014

Foxygen - ...And Star Power (2014)

Nota: 6,4







Eduardo Kapp





Já se dizia em 2012 que o Foxygen era, entre outras coisas, uma banda feita por um clone do Mick Jagger que encontrou uma máquina do tempo e foi direto de 66' pra 2008. Eu sempre acreditei nisso. Em N músicas de seu primeiro lançamento "Take The Kids Off Broadway" (que foi meio bedroom-pop), é difícil negar tal proposição. Isso, no entanto, era seu pró e seu contra. Afinal, é melhor ouvir o próprio Jagger, não?

Só que tudo isso foi destruído e desmistificado em "We Are the 21st Century Ambassadors of Peace & Magic", quando os limites foram expandidos, a produção melhorou de forma gritante e já não dava pra associar o som deles a um nome em específico (embora as influências ainda fossem um pouco óbvias e os timbres do Jagger persistissem rsrs). Sucesso das crítica tudo. Daí em diante, o Foxygen entrou na rotina de uma banda mediana, com extensas e nem tão bem pagas tours.

Agora, basicamente, junte tudo o que aconteceu na trajetória do Foxygen e... misture. O resultado se parecerá com você. Confusão, insanidade, intensidade, existência e inconsistência. O bem e o mal. É difícil começar a falar sobre o último lançamento da banda, com 24 (VINTE E QUATRO) músicas, num exótico disco duplo.

No início, dá pra concluir 2 coisas rapidinho: a) umas pessoas aí andaram ouvindo muito as primeiras músicas do também duplo "Something/Anything", do Todd Rundgren. Não é a toa que, num tweet, os caras já pré-anunciaram o fato de que "How Can You Really", uma das principais novas músicas, é um plágio sem escrúpulos de "I Saw The Light". O mesmo vale pra "Star Power Iv: Ooh Ooh" e "It Wouldn't Have Made Any Difference".  b) As psicodelia e as viagem mais "glam" (a tecla "Todd" é pressionada aqui mais uma vez) se misturaram com os elementos mais marcantes dos dois primeiros discos.

Na primeira metade, por assim dizer, é onde mais se encontra consistência. Aparentemente numa tentativa de ser conceitual, eu não diria que eles tenham falhado por completo. Tem toda uma atmosfera de uma genérica grande banda de rock qualquer no início dos anos 70 (inclusive pelo próprio conceito de ser conceitual) e a temática do "Star Power".

Bastante noise, algumas recriações do pop anos 60 com direito a seções propositalmente lo-fi (contrariando, talvez, a boa produção do segundo disco?). Algumas partes muito interessantes, mostrando uma melhora na complexidade e variedade de temáticas/sons. Dá pra citar facilmente as 5 primeiras. O problema começa no fim das I-II-III-IV Star Power. A coisa engrenou, engrenou e... morreu.

Depois da doce e reconfortante "I don't Have Anything/The Gate", é como se fosse outro álbum. Eu diria que isso podia ser até interessante, se não fosse o fato de que, duas músicas depois, um "terceiro" álbum surgir (ad infinitum). A inconsistência toma conta. A banda batalha contra si mesma, incansavelmente, suando, com raiva do próximo show de amanhã numa cidade do interior, comendo comida trash e enchendo a cara pela décima vez em 10 dias.

Não dá pra dizer que são músicas "ruins", mas pra ideia de "álbum" elas definitivamente não servem. A ordem, a sonoridade, sei lá. Não funciona. Cansa a mente do ouvinte, a atenção se vai. Os únicos momentos em que eu aterrisei de volta pro disco, foram em "Wally's Farm" (com seus surpreendentemente criativos sintetizadores, a la Brian Wilson) e "Can't Contextualize My Mind" (que cria uma espécie de Surf Jam em cima de "Bowling Trophies" pra depois literalmente quebrar tudo num thrashy-punk-stones-rock'n-roll). A sensação recorrente é de que as músicas foram todas jogadas por cima depois que a galera da produção se cansou de fazer esforço.

O que eu posso dizer? Tenta se acalmar, Foxygen.





10 outubro, 2014

Guantánamo Groove - BOCA (2014)







Matheus Donay







Foram diversas as vezes que cruzei em praças e lugares em que a Guantánamo Groove fazia um som. Festivais na cidade, show de iniciativa própria, às vezes em parceria com outros artistas da região e até mesmo num cantinho de algum bar. Inicialmente, passou despercebido nas primeiras vezes, não era algo que de fato me prendesse. Talvez até a falta de algum material de mais qualidade nas mídias sociais tivessem seu dedo. Mas parece que isso ficou pra trás. Eis que a Guantánamo regista o primeiro EP: BOCA.

Enquadrando-lhes, a Guantánamo é um trio de "rock funkeado, groove sambado, ska abrasileirado (ou qualquer outro conceito que surja dessa contraditória mistura de influências)", segundo os próprios. O EP basicamente possui uma espinha dorsal chamada Santa Maria. Sim, aquela cidade do interior do RS, também conhecida como Boca do Monte. E você nota essa referência sem necessariamente ouvir o trabalho, basta olhar pra capa. O centrão santa-mariense carregado de tudo que lhe tem direito: morador de rua, casal homossexual, polícia, pixo e por aí vai.

Boca do Monte, a primeira do EP, transcende como um preto no branco, um yin-yang e vice-versa. Associo isso à exploração das contradições e contrastes situados em tempo e espaço: uma cidade contemporânea que emerge cada vez mais. Isso fica notório nas passagens que referenciam a alegria do samba nas ruas enquanto há outros na garganta do diabo (provavelmente a cometer o suicídio) ou então na adaptação do slogan que marcou os anos de chumbo: Santa Maria, ame ou deixe-a.

Seguindo na referência temática Santa Maria, estão ainda outras duas faixas: Itaimbé, que faz uma visita à vida de muitos jovens, principal público alvo do "tocar um violão no parque, curtir o pôr do sol e terminar o dia numa boate do DCE." A outra é O Dono. De longe, a mais ~tocante~. Porque é apelativa e tem uma letra que invoca um eu-lírico muito conhecido do povo de Santa Maria. Sorriso, o primeiro a ser lembrado quando se fala em um morador de rua por aqui. "Não se ofenda se eu te pedir - Um cigarrinho, por caridade! / É que mesmo eu sendo rei Sou invisível nessa cidade."  O Dono vai fundo, mexe com o brio e navega numa sensibilidade tamanha. Tudo isso imerso naquele jogo de contrastes.

Aproveitando a deixa do 'incorporar uma terceira pessoa no eu-lírico' e denunciar o caos urbano como funciona em O Dono, outro detalhe que urge com intensidade é o engajamento político das canções. Algo meio condoreiro, meio modernista, como se o dedo apontasse para alguém fazendo denúncias de cotidiano. 

Fechando o EP como um bônus track temos Psicose, o single. Foge um pouco do contexto do conjunto, uma vez que se apresenta como uma espécie de algo mais pop e foca num tema que também é mais pop: os contratempos e certos reveses da vida amorosa. 

Saindo do campo da semântica... Instrumentalmente destaco as linhas de baixo. Uma coisa que sempre me chateou em inúmeras bandas é o volume discreto. Não que a Guantánamo faça barulheiras com o baixo, mas mostra que ele existe e é tão importante quanto uma guitarra (ainda mais se tratando de um trio). Outra coisa que me chama a atenção são os solos pink floydianos que vão progredindo/regredindo até um certo ápice, o que fica notório na segunda faixa. Ah, as teclas também dão aquele acompanhamento bacana.

Não que Boca seja um EP perfeito e sem defeitos, mas não consigo destacar algo que julgo errôneo ou que fuja o tão subjetivo conceito de arte. Além do mais, a vida do artista underground é um tanto que complicada. É sob esse contexto de "correrias" que o disco acaba ganhando pontos além-música, ainda que não possua a mesma qualidade de gravação se comparado ao que as grandes gravadoras fornecem. 

Provavelmente você não ouvirá a Guantánamo Groove na rádio ou verá um clipe na tv. E talvez nem a falta de visibilidade nas mídias tradicionais seja mais um problema. O EP Boca já tem seu lugarzinho garantido nas referências artísticas quando se fala na cidade de Santa Maria. Um álbum tipicamente preso nos buracos das montanhas que eles chamam cidade.

Onde ouvir: https://soundcloud.com/guant-namogroove/sets/boca-ep-2014

02 outubro, 2014

Frabin - Selfish (2014)

Nota: 7,4






Eduardo Kapp





Frabin, antes de mais nada, representa um momento e um lugar na cultura da juventude atual. Procura identificação musical tanto no passado quanto no presente e (clichê é uma merda) inclusive no futuro. Representa uma juventude que, na era das internets, não tem limites pra ouvir seja lá o que for. Tem gente que prefere o Proto-Punk do fim dos anos 60, tem gente que adora o jazz-avant-garde-reinventado dos anos 80, ou quem sabe as odisséias prog dos anos 70. Ou ainda: todos os anteriores.

Enfim. Rola muito mais acesso a música, tanto no mainstream quanto no underground, tanto o lançamento da semana passada quanto a versão raríssima do disco de 58', possibilitando ouvir tanto o artista, quanto suas influências, seus projetos solo, etc etc etc. E isso: te deixa, ao mesmo tempo, maravilhado e confuso.

E é nesse contexto que nasce o primeiro lançamento solo de Frabin, aka Victor Fabri, que é ali de Floripa. Quase que totalmente produzido/gravado por conta própria, esse é o seu "Selfish". "N" influências aqui, combinando com uma boa coerência um som bastante eclético. Mais do que isso, uma tendência um pouco mais específica: uma mistura de lo-fi, surf, neo-psychedelia e dream pop.

Logo de início, uma experiência mesmerizing com fuzz-phasers, layers de synths mergulhadas em reverb, guitarras que lembram um WU-LYF mais calmo e mais sombrio. Falamos de "Gone Away", que procura seu lugar, vaga por vários feelings diferentes em seus 4 minutos e meio de cores e ondas. Mas a coisa toda começa a ficar muito mais interessante e ganhando uma perspectiva maior em "The Tide".

Aqui, mesmo seguindo uma fórmula sonora parecida com a da faixa anterior, a coesão é muito maior. Os vocais ganham importância na hora certa, a batida seca e marcada, as guitarras que transportam pro homônimo da Melody. E o melhor: ao mesmo tempo que no início tudo é marcado e cada coisa em seu lugar, da metade em diante, o povo pega as armas e faz a revolução. Bam, tudo girando em direções diferentes! A mente se confunde com o ar. Hipnotizante.

Daí em diante, por alguns minutos, Frabin segue menos pretensioso e mais reflexivo, baixando a guarda momentaneamente. Não prende tanto a atenção, parece um pouco mais fora do lugar, falta alguma coisa pro som respirar. Ou seja, em "Abstract Mind", os mesmos erros de "Gone Away" se repetem. Contando ainda com uma espécie de quase-balada que mais parece o Real Estate com efeitos e, de novo, mais sombrio (e não vejo como isso pode ser ruim). Muito do disco tem essa temática, tanto na letra (eu já disse que é em inglês?) quanto na sonoridade.

Mas, talvez, o que deixe tudo no saldo positivo e faça valher ir até o fim deste EP é "Imagination". Eu diria que é aí que a tão almejada identidade musical aka estilo próprio é alcançada. É uma faísca de algo novo,  querendo aparecer. 7 minutos que não falham em prender a atenção por sequer um mero instante. Geneal. A prova definitiva de que este é um EP que vale a pena ouvir e aguardar por um futuro lançamento, quem sabe? De Floripa pras galáxia: "Selfish".

Onde Ouvir: http://frabin.bandcamp.com/releases

01 outubro, 2014

Amy Winehouse - Back To Black (2006)



Nota: 7,3





Fernanda Rodrigues




Ela podia até cair no palco, esquecer a letra de algumas músicas e passar mal durante shows, mas nada disso ofuscava sua voz penetrante. Amy Winehouse lançou, em 2006, seu segundo (e último) álbum de estúdio Back to Black, trazendo sua interpretação contemporânea de soul e jazz inspirada em Ray Charles, Donny Hathaway e Slick Rick.

Abrindo com o single Rehab, a cantora já deixa bem claro como serão as músicas do disco: de tom intimista e confessional (sem se importar se as pessoas vão gostar de suas histórias ou não). Nada como desilusões amorosas e tropeços da vida para embalar um bom Motown-style. Versos como "Me and my head high/ And my tears dry/ Get on without my guy", da faixa-título Back to Black, e "Moon spilling in/ And I wake up alone", de Wake Up Alone, são apenas alguns que descrevem a sua frustração e falta de habilidade com os relacionamentos que já teve.

Há uma evolução, porém, através das músicas que nos passa a ideia de que Amy (ao menos) tenta superar o problema com seus caras. Love Is Losing Game pode ser considerada aquela fase de pós-término (com um pouco de autopiedade?) pela qual todos passam: o amor não presta e é, de longe, um jogo perdido. Quem precisa dele?! Em Addicted, ela chega a deixar claro que mais vale uma plantação de maconha em casa do que um homem em sua cama... okay. "I'm my own man", canta ela. 

Além das já citadas inspirações, Amy ainda revelou ter sido influenciada pela girl band The Shangri-las, da década de 60. Em entrevista a BBC Music, no festival Other Voices, Amy disse que sua música favorita delas era uma que ela ouviu repetidas vezes após uma das várias ocasiões em que havia "terminado" com eu marido Blake Fielder-Civil, "I Can Never Go Home Anymore". "Eu costumava ouvir aquela música repetidamente, sentada no chão da minha cozinha com uma garrafa de Jack Daniel's", confessou ela. Quem nunca?

Ainda que tenha sido sucesso de vendas no Reino Unido, tornando-se o álbum mais vendido do século por lá, as bases em Motown de Back To Black revelam o grande pé dentro da música americana que a cantora britânica possui. Afora isso, embora Amy tenha cantado sobre dores de amor que todo mundo sente e sobre términos que todo mundo passa, sua voz se fez essencial para que seus versos não se tornassem monótonos e clichês (afinal, todos estamos cansados de desilusões amorosas). A pergunta que fica é: o que mais essa cantora nada comum teria produzido se ainda estivesse viva? 

24 setembro, 2014

Julian Casablancas + The Voidz - Tyranny (2014)

Nota: 7,8






Eduardo Kapp





Julian volta com outro lançamento por fora dos Strokes. Dessa vez não é estritamente solo, mas quase uma banda paralela, os The Voidz. Esse grupo apareceu pelo metade do ano passado e logo já começaram uma tour notória, tocando em grandes festivais, principalmente pelas américas. Só que isso sem ter lançado nada, afinal, o disco em si saiu oficialmente.. hoje. Jogada promocional que deu muito certo e muito errado, eu diria. Muita gente ficou confusa e sem saber o que esperar, inclusive perdendo qualquer esperança, enquanto outras ficaram crentes de que esse seria um ótimo lançamento.

Mas quem se importa?!?! Indo direto ao ponto, eu sinceramente ainda estou em choque com esse álbum. Logo de início, já dá pra sentir que a coisa vai ser completamente diferente do que foi o Phrazes for the Young, abrindo com "Take me in your Army", com uma linha de baixo repetitiva e hipnotizante, com temáticas mais sombrias e intensas. Reaparecem não só nessa faixa como em quase todo o álbum os falsetes que tiveram grande repercussão no Comedown Machine. Até aí já deu pra sentir muita coisa diferente, mas nada definitivo, até que Crunch Punch aparece.

Uma mistura de um Black Flag em sua plenitude de 83'-84', o The Cars num momento mais obscuro e um pouco de.. Vaporwave (do tipo intenso e curto)?? A questão é que não tem como chegar em muitas conclusões durante o bombardeio sonoro nas próximas faixas. É uma experiência visceral, distorcida, cheia de imagens e destroços caindo sobre campos macios e verdes e nada feios.

Os padrões musicais, os limites e qualquer medo de tentar algo novo é desintegrado em "Human Sadness". Provavelmente um dos pontos altos do álbum (faixa que é também um single), temos aqui uma espécie de balada eletrônica-shoegaze-new wave-garage-rock-post-music. Do tipo, tudo fazendo muito sentido sem fazer nenhum sentido. Do tipo que nem a revista que semanalmente confere elogios gratuitos e vazios pra tudo que os Strokes e principalmente o Julian fizeram consegue digerir. E isso não é ruim. Significa que aqui foi alcançado uma espécie de noise pop que desafia os padrões do ouvinte (despreparado? desavisado?). A faixa é dividida em partes, alcançando inacreditáveis quase-11-minutos (dentro do contexto isso é loucura).

São tantos detalhes, tudo tão se encaixando. Referências intermináveis, até nos títulos das faixas. Descarregando críticas ao governo americano, às pessoas no geral e falando sobre ~tirania~. Fazendo muito barulho. Julian finalmente explorou seu lado punk, só que dum jeito completamente inesperado e interessante. Johan Von Bronx, Where no Eagles Fly são só alguns exemplos.

De qualquer forma, acho que o ponto alto e ao mesmo tempo o ponto baixo do álbum é a experimentação sonora que eles alcançaram. Digo, se em algumas faixas tem sons bem diferentes e estranhos, inovadoras, em outras tem uns ritmos meio nonsense, quase fora do lugar? Dare I Care tá realmente muito difícil de encarar durante seus intermináveis 6 minutos e meio. A música tem um ritmozinho muito chato e é toda cheia de partes completamente diferentes, tendo até umas referências sonoras a época do Angles. A coisa toda da "Tirania" tem seus momentos de vergonha alheia também, o que era de se esperar de um álbum grande tentando falar sobre política, embora isso não seja completamente ofuscante de sua qualidade musical.

Definitivamente é uma experiência imersiva muito interessante. Vinda do Julian, que já quase pareceu que não ia mais tentar algo novo, foi uma grande surpresa. Vale muito a pena dar uma chance pra esse som, mesmo que demore um pouco pra entender e se fazer sentir parte do feeling que tem por aqui.

21 setembro, 2014

Cachorro Grande - Costa do Marfim (2014)

nota: 7,0






Matheus Donay





Existe uma espécie de cláusula moral que diz que o vestuário deve ser compatível com o som. E sim, aquele terninho engravatado do primeiro álbum em 2001 era um spoiler de que se tratava de um disco de rock saudosista. 13 anos após, o terno é substituído por exóticas roupas coloridas com pelagem de animais africanos. Costa do Marfim.

O rock contemporâneo se inclina e ruma à novas correntes que ocupam tempo e espaço. Como foi a psicodelia nos anos 60 ou o grunge e britpop nos anos 90. Curvando-se a essa tendência, a Cachorro Grande inova e abraça a neo-psicodelia, bem como troca os Stones pela nova geração ao melhor estilo MGMT. Uma evidência é o clipe do primeiro single, Como Era Bom, onde os caras estão todos pintados sob luzes fluorescentes e efeitos entorpecentes de filme.

Gravado no continente africano (não me pergunte porquê), o novo álbum é uma espécie de iconoclastia musical e quebra toda uma linha de produção que se estendia pelos primeiros trabalhos. Tudo bem, o antecessor Baixo Augusta já fugia um pouco o padrão Cachorro Grande. Costa do Marfim se apropria de certos elementos do último disco e não poupa na intervenção eletrônica.

Interessante também é a temática do CD como um todo. Desde a capa, encarte, clipe e a sua primeira música, xará do mesmo. Uma combinação de sonidos de animais nativos da África, ondas do mar sobrevoadas por aves (quase que um safari pela Savana) - sem contar os gritos humanos que imitam tribos locais.

O quinteto se atira a sua própria diversão. A impressão que dá é que os caras resolveram tocar o que têm ouvido mais ultimamente e lançar num cd. Perguntado sobre o tempo das músicas (que são na maioria entre 4 e 8 minutos), Beto Bruno diz que não tá nem aí, "o nosso som não vai tocar no rádio mesmo." O que deixa o álbum numa fluidez natural.

O guitarrista Marcelo Gross lançou esse ano seu disco solo, intitulado "Use o assento para flutuar". O mesmo nome é usado em uma canção do disco. A sugestão é de viagem. Sentar, apenas ouvir música, viajar. E Costa do Marfim sim, é um disco para flutuar ao além.

Musicalmente, chuto de longe as melhores do álbum: o single Como Era Bom, O Que Vai Ser e Torpor partes 2 e 5. Entrando em detalhes, Torpor partes 2 e 5 foge um pouco à receita de se fazer música. Começa como uma jam eletrônica até entrar o vocal rouco e cansado, que ao invés de cantar, relata duas situações absurdamente entorpecentes. Efeitos psicoativos. Distorções de realidade. As famosas bad trips.

Costa do Marfim é intrigante. Porque é uma ruptura, o início de uma nova era para a banda. É um disco agradável, mas não feito para agradar. Você pode curtir os riffs do Gross, os sintetizadores do Pelotas ou a energia eletrônica que fomentou boa parte do disco.

Onde ouvir: http://www.cachorrogrande.com.br/

16 setembro, 2014

My Bloody Valentine - M B V (2013)

Nota: 9,3






Eduardo Kapp





Cara. Já fazem mais de 20 anos. 20 anos desde o lançamento essencial do My Bloody Valentine. No caso, um dos discos mais importantes (e caros) dos anos 90: "Loveless". Extremamente bem recebido pela crítica, conquistando uma parcela de fãs muito fiéis, influenciando bandas e mais bandas com o que acabou sendo chamado de shoegaze, combinando várias camadas de efeitos e guitarras distorcidas com vocais etéreos e quase escondidos no fundo das músicas. Um álbum que alterou toda a percepção de o que era música e como se fazia música de milhares de pessoas. De qualquer forma, essa história já é conhecida, ainda mais depois de tanto tempo.

Só o que talvez a galera não saiba, é que o Loveless também foi o último lançamento da banda em todos esses 20 e 2 anos (até 2013). Talvez pela falência da gravadora, que gastou algo como 500 mil dólares no disco e este nem de longe recuperou a grana; pela obsessão perfeccionista do líder criativo do grupo, Kevin Shields, que era relutante em lançar o pouco material novo que compunham entre 92' e 95'; pela falta de paciência de O'Ciosoig e Googe, que saíram da banda nos anos seguintes. A questão é que durante esse tempo de incertezas, muito se falou em um terceiro álbum, que talvez pudesse ser grandioso como seu anterior. Existiam todo tipo de rumores. Shields chegou a dizer numa entrevista em 97', num chat da AOL (!!!), que se não lançasse o novo álbum naquele ano, estaria morto. Shields viveu mas o álbum continuou embriônico.

Todas essas tretas levaram ao inevitável fim da banda. Ninguém mais tinha esperança de que o lendário terceiro álbum algum dia fosse se tornar realidade. As pessoas já estavam confortáveis com o fato de que eram só rumores e nada aconteceria. Eis que então, depois de uma inocente reunião da banda em 2008, os caras começaram um world tour (o primeiro desde 91), tocando em dezenas de lugares. "Ok, legal, eles estão tocando de novo, mas nah, não vai rolar novo álbum, já faz muito tempo". Janeiro de 2013, Shields anuncia que o novo álbum está pronto e masterizado, e seria lançado em alguns dias. Finalmente o rumor era verdadeiro. Chegava ao mundo o terceiro álbum do My Bloody Valentine.

De surpresa, o que poderia se esperar de um disco como esse? Com tanto tempo entre um lançamento e outro, será que de longe se aproximaria do clássico de 91'? Todos estavam com medo de ouvir, tantos os fãs da época, quanto os fãs mais novos que eles ainda conquistavam (me incluo aí).  Será que o tempo de espera, a expectativa, o hype devem corresponder a qualidade do álbum? Não.

Pensar no M B V como um disco lendário não é coerente. Não faz sentido colocar toda essa pressão. O jeito era ouvir como se fosse apenas outro lançamento, mas nos primeiros acordes de "She Found Now", já deu pra perceber que, se esse disco fosse lançado em 92, não teria feito diferença. Eles começaram exatamente onde o Loveless parou. É como se nada tivesse mudado. Será que eles não envelhecem? Como eles pararam no estilo de 20 anos atrás?

A mesma receita: camadas e camadas, ondas de noise, as características levadas pela tremolo bar de uma jazzmaster com afinação diferente a cada nova faixa. A suave e macia voz de Bilinda Butcher continua surtindo o mesmo efeito de contradição e oposição ao barulho violento de Shields. E a receita novamente deu muito certo. A energia permanece inalterada em "Only Tomorrow", "Who Sees You" e "In Another Way". Intacto, à altura do Loveless.

Os vocais quase em sussurro, os timbres barulhentos, a bateria marcada e simples dão vida a um disco que consegue alcançar uma intimidade com o ouvinte mesmo em meio a tanto "caos". Essa sempre foi a peça-chave da banda, que é o que faz ser tão adorada ou tão odiada.

Talvez os únicos problemas por aqui sejam a tentativa eletrônica/pop em alguns sons como "New You" ou a suave "Is this and Yes", que embora sejam interessantes, parecem sem muita direção, soltas. E, claro, será que o fato de soarem praticamente iguais a 20 anos atrás seja tão bom assim? De qualquer forma, acho que todos concordam que independente de tudo: esse foi um ótimo álbum.