31 maio, 2014

Ariel Pink's Haunted Graffiti - Before Today (2010)



Nota: 9,6





Eduardo Kapp




Ariel Pink, até 2008-2009 (quando criou a "Haunted Graffiti"), lançava centenas de músicas de forma independente, por meio de cassetes, gravando em casa. Essas gravações caseiras lo-fi faziam as músicas aparentarem terem sido gravadas décadas antes, por conta da qualidade de som.

Misturando muitos gêneros e influências, é difícil descrever o som desse cara. Alguns dizem que é um new wave meio grotesco, outros que toda a carreira dele é como uma re-imaginação de uma rádio AM anos 70 de música pop. Aparecem elementos de pop psicodélico, new wave, lo-fi e até punk.

Inicialmente reconhecido por ser o primeiro artista a assinar com a gravadora independente dos Animal Collective (Paw Tracks), teve uma fase um tanto "inacessível", experimentando bastante e mantendo a coisa toda com as gravações de baixa qualidade. Não era ruim, tinha bons momentos e tudo, só não era fácil de se ouvir pra quem não conhecia.

Em 2009, assina com a 4AD Records, e finalmente dá as suas músicas a merecida produção de alta qualidade. E assim, em 2010, lança o "Before Today", que traz as melhores características adquiridas na fase lo-fi, e é muito mais acessível que os trabalhos anteriores.

E é isso que fez esse álbum ser absurdamente bacana. As músicas são únicas e imprevisíveis. As estruturas das músicas são diferentes entre si, mas tem uma coerência interna inexplicável. Desde a hit "Round and Round" até a mais estranha "Menopause Man", tudo está impecável. É o tipo de material que não tem como dizer quais são as músicas boas e as ruins. 

Synths atmosféricos ("Fright Night (Nevermore)"), ótimas linhas de baixo ("Reminiscences", "Beverly Kills", etc...), efeitos bizarros e camadas cuidadosamente montadas. A doce e reinventada "Can't hear my eyes" traz sons vindos dessa mesma rádio AM anos 70. "L'estat (Acc. To The Widow's Maid)", que começa com um synth, guitarras, e perto do fim, se mostra uma explosão de efeitos e percussão. As letras são todas notáveis, combinando as vezes nonsense puro e em outros momentos algo mais sentimental e sincero. 

Vocais como os de "Bright Blue Skies", "Round and Round" e "Beverly Kills" são todos excepcionais e muito criativos. Combinando muitos tons diferentes e quebras de estrutura, desde simples linhas faladas até falsetes que parecem uma mistura de Michael Jackson com um funk underground anos 80.

O único sentido em que vejo alguma possível "falha" ou "defeito" nesse disco, é que não tem nenhuma grande ~inovação~ se comparado aos seus antecessores. Fora o fato de que algumas músicas são "re-edições" de versões que aparecem em álbuns anteriores. Mesmo assim é um album que dá muita vontade de ouvir de novo e de novo. Pop na medida certa, inteligente e criativo, é um must-have.

Onde ouvir: http://grooveshark.com/#!/album/Before+Today/4259506



Vanguart - 3 em 1

Sempre admirei o Vanguart pelas letras profundas, toques de poesia e lirismo nas suas músicas, tudo isso combinado a um folk rock de primeira. Essa é a definição geral pra uma banda que é divida em 3 fases, ao longo dos seus 3 álbuns de estúdio. Podemos definir um como a sequência do outro, cada um num estado emocional diferente e com uma musicalidade característica, dando a impressão de que nos é contato uma ‘evolução’ da banda.

Ian Tambara


Vanguart (2007)

Nota: 7,5

O primeiro álbum traz consigo o folk rock em produções de estúdio independentes. Gravado na terra natal dos músicos, Cuiabá, o álbum possui um caráter mais melancólico, misturando o folk com o country (o exemplo mais claro é a música “Hey Yo Silver”) em músicas que aliam a melodia e a letra para tornar deste, o ‘mais fossa’ dos três discos. Em uma análise geral, é ótimo para se ouvir quando se está desiludido e desacreditado com tudo e todos, como em “Para Abrir Os Olhos”, ou na mais conhecida da banda, “Semáforo”, restando apenas a solução em sair pra encher a cara e voltar só no outro dia, como em "Cachaça". Além disso, o álbum traz uma mistura de músicas em português, espanhol e inglês.


Boa Parte De Mim Vai Embora (2011)

Nota: 8,5

Depois de concorrem a prêmios no VMB e Prêmio Multishow, os cuiabanos chegam com tudo em um grande disco. Junto com eles, vem a figura que diferencia o som da banda: Fernanda Kostchak aparece com o seu violino em praticamente todas as músicas do novo álbum. Mantem-se o folk, apesar de os membros da banda não gostarem de ‘rotular’ o seu estilo.
“Acho que esse disco novo traz a gente mais velho, sabe, mais maduros [...]” disse Hélio em entrevista à Rolling Stone Brasil. Assim como o amadurecimento, o segundo disco traz uma “ressaca amorosa”, como se as letras sugerissem a superação dos obstáculos e desilusões citadas no primeiro álbum e mostrassem (mesmo que ainda de forma melancólica) uma certa esperança, em músicas como: “Mi Vida Eres Tu”, “Se Tiver Que Ser Na Bala, Vai.” ou “...Das Lágrimas”. Um álbum com letras e melodia muito bem trabalhadas e produzidas que lhes renderam o prêmio de melhor banda do VMB de 2012.



Muito Mais Que O Amor (2013)

Nota: 6,5

E aí vem o terceiro álbum. Já mais “calmo” se comparando aos outros, é um disco diferente. Agora a melancolia é deixada de lado, e o triste som do violino perde espaço para os alegres e aconchegantes (às vezes até irritantes) clarinete e bandolim. Com letras e melodia mais animadas, “Muito Mais Que O Amor” traz a paixão, o amor e a felicidade atrelados e faz com que o álbum torne-se muito mais comercial. Não é a toa que em 2013 “Meu Sol” fez parte da trilha sonora da novela “Além do Horizonte.” Em resumo, não trata-se de um álbum ruim, ao contrário disso, é apenas a prova de que a banda amadureceu e provou que tem capacidade para construir trabalhos diferentes e, mesmo assim, manter o bom nível.

30 maio, 2014

Los Hermanos - Bloco do Eu Sozinho (2001)

Nota: 5,1





Matheus Donay








Resolvi escrever sobre esse disco a pedido, nunca o tinha ouvido. Depois de uma semana escutando e processando, chego a algumas conclusões. Conclusões de quem teve os primeiros contatos e tinha algum conhecimento prévio, superficial.

Confesso que na primeira vez que ouvi já não aguentava mais ali pela 4ª música. Mas ok, isso é normal. A voz tão leve de Marcelo Camelo se mistura com os instrumentais simples, de guitarras discretas e por hora monótonas. Essa combinação lhe faz perguntar se essa é a mesma banda de Anna Júlia, sucesso do primeiro disco. Mudança de sonoridade essa que resultou na saída do baixista na época.

Fazendo uma analogia com o nome do trabalho, Bloco do Eu Sozinho sintetiza um carnaval na solidão. Triste, frio, melancólico. As letras ficam numa atmosfera de romantismo e sofrimento. Afinal, quem é mais sentimental que este álbum?

O que é fato, é que se trata de um disco importante. Um rock com jeitinho brasileiro, misturando guitarras e bossa-nova. Los Hermanos mudaram o modo de fazer rock no Brasil, influenciaram muitas bandas, que ouso dizer, algumas fizeram melhor que a própria referência. Se procurar pelas influências das novas bandas de indie-rock-universitário-dia-ensolarado-brasileiro, a grande maioria citará Los Hermanos.

Bloco do Eu Sozinho não é um álbum para se dançar, curtir e ficar em êxtase mas se você gosta de algo leve e orgânico, pode ser uma boa pedida. Destaque para a faixa Cher Antoine, cantada em francês, e Deixa Estar, que fogem um pouco ao padrão sólido do álbum.

Tenho a impressão de que este disco é overrated, assim como a própria banda. O que você pode levar como legado após o 'quase uma hora' de álbum é se identificar se estiver sofrendo de amor, ou então, um riff de certa música de alguma banda indie nacional.

28 maio, 2014

Jake Bugg - Shangri La (2013)


Nota: 6,4 






Eduardo Kapp




Assim como sua vida, esse álbum é cheio de contradições.

Liberto (ou envergonhado?), Jake Bugg finalmente resolveu escrever suas próprias músicas. Diferentemente do primeiro álbum, em que quase todas as músicas foram escritas pelo letrista/músico Iain Archer, agora vemos Bugg como principal (Archer ainda participa, de forma secundária) compositor das letras e melodias do álbum. Surpreendemente (ou não), isso diminuiu a qualidade das músicas, num geral.

Por outro lado, as melodias aqui tiveram um dedo do novo produtor Rick Rubin, que tenta deixar as coisas mais Rock'n Roll. No caso, todos os singles deste álbum seguem essa ideia. "Slumville Sunrise" e "What doesn't kill you" mostram um Jake Bugg inseguro de seu lugar, um tanto confuso sobre o que está cantando, e não me leve a mal, esses singles são pop o bastante, só não parecem se adequar ao contexto do artista.

É claro que não poderia se esperar tanto de um lançamento às pressas como foi esse. Ainda acho que o Jake só aceitou lançar o álbum tão rápido pra poder acabar logo com o "mal do segundo lançamento". É claro que o primeiro disco é melhor, não há duvidas. E deste, ainda se escutam ecos (muitos ecos), seja nas melodias folk-acústicas ou na insistência em cantar no formato Oasis.

Isso é algo interessante de se perceber. Quando Bugg canta ~sem compromissos~ com características planejadas (mesmo que inconscientemente) é que aparecem seus melhores momentos do álbum. "Me And You" é o ápice dessas terras. Nesse sentido, "Storm Passes Away", que te coloca naquele momento "refletindo sobre sua vida sem sentido enquanto olha pela janela do ônibus", também precisa ser lembrada! É nesses momentos que dá pra notar um certo amadurecimento e um caminho na direção de características mais originais do cantor.

Ainda nas contradições: depois de falar mal de programas tipo "X-Factor" e coisa que o valha, o maluco do Jake Bugg faz essa "A Song About Love", que certamente seria aplaudida pela platéia e o-faria ser escolhido pra entrar no "time" (é assim que funciona? Eu realmente não sei) de Cheryl Cole. Shame on you, Jake.

Enfim, não é horrível, não é nenhum "Turn Blue", é um disco que dá pra ouvir sem se decepcionar muito. Mesmo sendo mais um do tipo que imita o Dylan e um britpop qualquer, não é de se descartar.

Onde ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=AN0DFWhtAwk

Bárbara Eugênia - É o que temos (2013)

Nota: 8,0





Matheus Donay






3 anos após lançar o seu primeiro trabalho, Journal de BAD, Bárbara volta com o que tem (como diz o nome do álbum) de melhor. O nome do disco é abrangente. Nele é abrigado o brega, a mistura, o experimento, intimismo, instrumentais trabalhados, drama e uma leve psicodelia.

A primeira faixa é um convite para continuar ouvindo o álbum. Em Coração, Bárbara já exibe logo de cara a harmonia que cerca o vocal com os instrumentos numa melodia leve e cadenciada. Um dos destaques do álbum é a regravação de uma música da cantora brega-romântica Diana, de 1976. Por Que Brigamos (I’m... I Said) cantado por ela ficou fantástico. Há quem lembre dos gritos da Elis Regina ouvindo esta música.

A carreira solo dá liberdade para parcerias com outros músicos. Neste disco, você vai encontrar em Roupa Suja uma dança entre Bárbara e Pélico. Um clássico bolero até chegar no animado refrão. Há também um dedo do Mustache e Os Apaches em I Wonder, um simples e belo folk cantado em inglês. Entre outras participações, destaque para o Astronauta Pinguim, uma referência e tanto na lida com os sintetizadores tão bem explorados no disco.

Esmiuçando música por música, se encantará com a melancolia proferida na voz de Bárbara. Uma das músicas mais interessantes é Ugabuga Feelings, onde você se depara com uma animada batida afro. Outra regravação que é um dos ícones do álbum é Sozinha (Me siento solo), do argentino Adanowsky. Recheado de referências internacionais, o disco trás ainda as canções em inglês Out To The Sun, You Wish You Get iT e a psicodélica Jusqu’à La Mort em francês, que faz lembrar de Françoise Hardy, cantora de Le Premier Banhour du Jour, famosa por ter sido regravada pelos Mutantes.


Sou suspeito para falar, pois para mim é dona de uma das mais lindas vozes do Brasil. Sou suspeito, pois tenho uma queda por vocais femininos. “É o que temos” trás consigo as velhas características da Bárbara um tanto mais maduras. Onde o brega e o chique se misturam. Onde o clássico e o experimental estão em harmonia. Uma obra é o que temos.

Onde ouvir: https://soundcloud.com/barbara-eugenia/sets/o-que-temos

24 maio, 2014

The Black Keys - Turn Blue (2014)


Nota: 5,8



Eduardo Kapp






Pra uma banda que sempre apostou nos mesmos elementos e fez seu nome em cima disso, algo deu errado nesse álbum que foi lançado na semana passada.

Sendo um duo, sempre foram aquele som ~vintage, emulando um pouco dos """clássicos""" (blues rock, garage rock) e colocando muito soul nas músicas. Isso deu certo principalmente nos primeiros álbuns ("Thickfreakness" e "Rubber Factory"), o que os trouxe pra um público muito maior de 2008~2009 pra cá. Provavelmente porcausa disso que surgiram os famosíssimos "Brothers" e "El Camino", que não são ruins, mas com toda a certeza mudaram pra se adaptar ao público maior.

O mesmo vale para o novo álbum, "Turn Blue", que assim como o "El Camino", teve uma parceria com Danger Mouse (aquele multi-instrumentalista e produtor bizarro que faz parcerias com todo mundo). O álbum foi gravado durante a tour do álbum anterior, e em dois estúdios diferentes. A banda ia pro estúdio sem ter escrito músicas, e passava o dia todo lá até "alguma coisa sair". Essa é exatamente a vibe desse disco: um monte de coisas jogadas no liquidificador.

Mais efeitos, mais instrumentos, mais vocais, mais layers, mostram que de alguma forma eles tentaram inovar sua sonoridade, o que é de se apreciar. Tem muita aproximação com psicodelia, um feeling de tristeza geral, menos apostas em singles e  mais um investimento no álbum como um todo.

O problema é que eles simplesmente não souberam lidar com as novas possiblidades criadas por esses elementos. A maioria das músicas se perde em meio ao seus próprios sons, falta alguma energia. Tem muitos sons que não adicionam nada às músicas, os synths de fundo, os riffs que imitam o vocal.

Não é de todo ruim, mas não é nem um pouco interessante. "Year In Review" é tipo um sample do álbum inteiro: fica na mesma linha de baixo o tempo todo, tem aqueles montes de instrumentos de fundo, que não melhoram em nada a música e parece levar uma eternidade pra acabar.

A melhor música é justamente o único momento em que a banda conseguiu equilibrar os instrumentos e não drenar toda a energia com um monte de sons diferentes: "Weight of Love".

Eu realmente espero que eles levem esse álbum como, sei lá, uma ~experiência e sigam adiante nas novas áreas que eles entraram. E, claro, que parem de imitar os White Stripes. Até lá, pode usar o "Turn Blue" pra vegetar, porque não tem nada de mais nesse disco.

Onde ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=ROiLUkgZDv4


23 maio, 2014

Fresno - Eu Sou a Maré Viva (2014)


Nota: 6,2




Matheus Donay




“Você pode dizer que já ficou para trás / Pode até esquecer, dizer que não importa mais / Mas teu passado se lembra / O teu passado não esquece.”

A primeira estrofe da primeira música do EP sintetiza minha relação com a Fresno atualmente. Não costumo dizer que tenho banda favorita, porque isso muda com o tempo. Costumo dizer que tem a banda que eu mais escuto. E Fresno foi, por pelo menos 3 anos a banda que eu mais ouvi. É difícil falar do novo EP, e mais do que isso, inevitável não comparar com discos anteriores. Sempre gostei da Fresno por causa do intimismo e identificação com as composições. Continuo a gostar da banda, mas acabei dividindo o espaço dela com outras músicas de outros artistas.

Traçando um paralelo entre o “Eu Sou a Maré Viva” e outros trabalhos, começamos  falando das letras. A banda que sempre foi rotulada de emo pela carga emocional das músicas e pelos desastres e desilusões amorosas deu lugar à frases de efeito, ora motivacionais e inspiradoras. Suponho que Lucas Silveira, o compositor, agora namorando, deve ter deixado o seu eu-lírico um pouco mais sossegado com as crises de relacionamento.

A essência do EP gira em torno de se firmar em um mundo que se apresenta muitas vezes como cruel. “O meu pensamento é à prova de balas / à prova de fogo / E isso ninguém vai tirar de mim” e “Quem é que vai ouvir a minha oração? / E quantos vão morrer até o final dessa canção? / E quem vai prosseguir com a minha procissão / Sem nunca desistir ou sucumbir a toda essa pressão?”. Exemplo de trechos que marcam o grande drama da vida, tão explorado no disco.

Para os saudosistas, a canção ‘Eu Sou a Maré Viva’ tem um pouco da cara da Fresno de alguns anos atrás.  Para mim, é a mais bonita do disco que está recheado de frases fortes. A parceria com Emicida e Lenine, ‘Manifesto’, ainda que cause estranhamento quanto ao som típico da Fresno, me surpreendeu positivamente.  “Nem ser menos e nem ser mais / Ser parte da natureza, certo? / Ao caminhar na contramão disso / a gente caminha Pra nossa própria destruição.”

E assim se fez o EP. Com sonoridades não tão comerciais como antigamente, a banda segue independente. Mesmo que tenha se afastado das sonoridades clássicas que marcaram época na Fresno, as novas músicas seguem sendo entoadas pelo público fiel da banda. Ouça o disco. Se não gostar, tente sair ao menos inspirado com os manifestos e legados espalhados nele ou com o projeto gráfico, que diga-se de passagem, ficou ótimo. 


19 maio, 2014

Cachorro Grande - Cachorro Grande (2001)

Nota: 8,2





Matheus Donay






Eis que trata-se de um lançamento, esse disco. Não por ter sido lançado recentemente, mas por ter lançado, de fato, a Cachorro Grande ao mundo. 2001, a odisseia do Rock Gaúcho, mais precisamente, puerto-alegrense. As rádios locais e até mesmo nacionais passavam a conhecer as composições de Beto Bruno e Marcelo Gross (até então baterista de Júpiter Maçã). 

Não seria estranho fazer um exame de DNA nas canções e encontrar genes mods. Não seria estranho se as linhas de guitarra fossem primas de algum certo grau das mais animadas músicas do Revolver, dos Beatles. Comercial ou não, Cachorro Grande trás consigo o peso do bom e velho rock'n'roll com a clássica formação "voz, bateria, baixo e guitarra". Às vezes acontece de entrar algum teclado, como na suave "Dia Perfeito", um dos hits entoados por Gross. Falando em hits, mesmo sendo o primeiro álbum da banda, foi o que deu o empurrão.  Canções como Lunático, Sexperienced e Debaixo do Chapéu desfilaram em rádios e tvs. 

O trabalho é um ícone do rock do Rio Grande do Sul, sendo o primeiro disco do novo milênio e ganhar espaço no cenário. Depois de fins e hiatos de grandes bandas como TNT e Cascavelletes e o aparecimento de outras bandas como Graforréia xilarmônica e Júpiter Maçã nos anos 90, Cachorro Grande abre as portas dos anos 2000, que viria a ser a década de maior produtividade da cena. Mesmo as canções que não se tornaram tão difundidas merecem um tempo especial para serem ouvidas. Orbitando geralmente por temas leves e drinks exóticos, faixas como Lilli, Sintonizado e tantas outras não ficam para trás. A sexualidade sempre abordada pelos roqueiros gaúchos manteve-se de forma mais categórica, sem os palavrões ou termos chulos. O trecho "quero uma garota que já tenha sexperienced" substitui algo como "quero um garota que ja tenha dado para alguém", situação corriqueira nas composições.

E é assim, filho dos Beatles, sobrinho dos Stones, neto do The Who, que o disco se faz, com uma bela árvore genealógica e com uma identidade própria. O álbum Cachorro Grande é um retrato fiel do clássico rock gaudério.


Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=SHw78iUyS6E
Makeout Videotape - Ying Yang (2010)

Nota: 8,4




Eduardo Kapp





Makeout Videotape é antes de nada, uma banda de garagem (canadense). Noise, lo-fi (baixa qualidade de gravação), demos na tape final e uma equalização meio bizarra são coisas de se esperar. E, bem, esse tipo de grupo tá bem em alta nesses últimos anos. São muitos os garage revival e as influências óbvias shoegaze numa levada pop (Ty Segall, Allah-Las, Deerhunter, etc...). 

Mas o que temos aqui não é só um exemplo clássico de poucos acordes e muito barulho/chiado aleatório, quase que genérico. De alguma forma, o agora-lenda-antes-desconhecido Mac Demarco e o agora-cozinheiro-antes-lenda-desconhecida Alex Calder definitivamente fizeram algo mais além dessa estrutura básica no underground de suas garagens. 

O álbum, foi lançado inicialmente como download gratuito, na página da banda no bandcamp. Na verdade, nem era pra ter sido um álbum, mas sim uma coletânea de material recente da banda, pra mostrar que ainda estavam vivos. "We didn't make very much money and I was just broke and tired, so I came back and lived at my mom's house for a while and didn't do much of anything. I just felt like telling the Internet we didn't die." Mac Demarco, numa entrevista com a Exclaim!, revista musical canadense.

Particularmente, o disco me manteve interessado do início ao fim. Tem algumas músicas meio piada (?), como "Baba Vanga", que são jams ~engraçadas,e não exatamente uma música "séria". De qualquer forma, logo de cara, já se tem duas faixas brilhantes: "Only You" (que foi usada no álbum de 2012 do Mac, "Rock And Roll Nightclub") e "Because I'm a Boy". A primeira, com um baixo absurdamente hipnotizante, e os característicos versos em falsete do Mac (~~~i'm done crying over her). Já a segunda, gira em torno de muito delay e uma estrutura de letra e de instrumentos um tanto mais complexa.

Essa mesma complexidade é também combinada com elementos de experimentalismo, ou você achou que era possível fazer "Walter TV" ou "Future Boy" em um take só? Esse ponto, combinado com o lo-fi excessivo em algumas faixas, pode ser um turn-off pra recém-chegados no gênero. Talvez se o álbum tivesse sido regravado ou simplesmente lançado após maior produção. Há quem diga que ele é melhor e mais original por ser lo-fi.

No entanto, o ponto alto do álbum é a maneira como consegue fazer todas essas coisas estranhas e bizarras citadas anteriormente soarem tão pop quanto se pode imaginar. Sim, as músicas ficam na cabeça. Na verdade, é completamente compreensível se no fim do dia você se pegar cantando ou até dançando algumas das músicas.

Deveras surpreendente e influente, é o álbum divisor de águas do processo criativo e caracterização musical tanto do Mac quanto o Alex em suas carreiras solo. Um exemplo pra qualquer um que tenha uma guitarra e uma garagem.

Onde ouvir: http://makeoutvideotape.bandcamp.com/album/ying-yang




16 maio, 2014

Arctic Monkeys - AM (2013)

Nota: 4.8/10



Eduardo Kapp







Sim, também foi um choque quando eu vi minha vó com a camiseta do AM. “Muito bom esse disco, acho que tu vai gostar” dizia ela empolgada.

Desde o lançamento ocupando a posição nº 1 em vários charts ao redor do mundo, o AM é o álbum definitivo dos Arctic Monkeys no quesito comercial. Com suas jaquetas de couro, suas mulheres nuas e suas motos possantes, o álbum te leva pra um lugar caro cheio de pessoas bonitas com semblantes ~misteriosos~. Não, não to falando de Queens of The Stone Age.

Mas antes de entrar em detalhes, façamos um breve retorno às terras de “2006”, em pleno lançamento do já-clássico-moderno “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not”. Lá estavam eles, cabelo ensebado, uma certa insegurança no palco e as frenéticas batidas do agora muito conhecido Helders. Com suas letras esperançosas além do limite, as ácidas críticas a certos tipos de pessoas que frequentam as noites em clubes e as bandas que são um tanto quanto posers com fãs ainda mais posers e tentam soar como americanas, o álbum trouxe algo novo e trabalhava de forma muito interessante com algumas influências mod e garage-rock, se tornando um enorme sucesso de vendas.

Bom, então sim, é exatamente isso que você está pensando. Sim. Eles se tornaram seus próprios inimigos. You’re not from New York City you’re from Rothram, so get off the bandwagon and put down the handbook”, já era amplificado pelos microfones no álbum de 2006. So, what happened?

Nas palavras do próprio Turner, sobre o “AM”, durante uma entrevista: "[sounds] like a Dr Dre beat, but we've given it an Ike Turner bowl-cut and sent it galloping across the desert on a Stratocaster". Com enormes influências R&B, Soul e Heavy metal/Hard Rock, sim, este álbum é 97% made in USA.

  A banda mudou MUITO do primeiro ao último álbum. O aviso já tinha sido dado no “Suck It And See”, de 2011, que ~flertava~ e muito com o estilo de letra e sonoridade americanow, mas que não abria mão da originalidade característica.

Superficial, não se escutam mais as linhas de desabafo e ceticismo, mas sim extensas linhas que demonstram sentimentos vagos, sob análises ainda piores. “[..] if this feeling flows both ways..”,  algo sentido por uma minoria de aproxidamente 7 bilhões de pessoas,  é o nível do que estamos ouvindo. Não se vê mais Alex como um amigo próximo, alguém sensível e sagaz, mas sim como aqueles caras que vão em festas com camiseta polo, estampas de hockey ou de cricket, com colarinhos dourados e braços de 32cm. Não soa sincero, soa “Queens of the stone age”, que não vai te ligar no dia seguinte.

Falando neles, adivinha quem é que está muito próximo dos monkeys? Sim. Josh Homme. Inclusive, ele colaborou muito no processo criativo do álbum, tendo presença recorrente no estúdio (em LA!!!).  Provavelmente daí que vem o feeling “Badass rider on the road”, dark e hard rock/stoner rock. As semelhanças são enormes quando se compara o estilo de Do I Wanna Know com um hit qualquer do QOTSA, por exemplo  “3’s & 7’s”.
Por alguma razão, a influência dele foi muito maior nesse álbum. Quando Homme produziu o Humbug, ao menos ainda podia se dizer que eram  os Arctic Monkeys tocando.

De qualquer forma, despite essa certa hipocrisia, o feeling overrated por parte da enorme venda e promo do álbum, a superficialidade  nos principais hits da música, a aproximação com o QOTSA e a “influência” latente de certas bandas (arabella e war pigs!!! / mad sounds e here she comes now!!!/ “AM” e “VU”!!!) o álbum traz bons momentos mesmo para os fãs pré-AM. Por exemplo, em “Fireside” ou em “Knee Socks”, que tem uma levada que remete à sessões talvez interminadas do Humbug. Ou ainda, o fato do single “R U Mine” ter sido incluído no álbum, que traz à tona o feeling geral da banda em meio a época Suck It And See.

Então quando estiver bêbado e dançando o também single “Why’d You Only Call Me When You’re High”, lembre-se que este álbum não foi feito pelas mesmas pessoas que anos atrás fizeram coisas como “If You Were There, Beware”, “Despair In The Departure Lounge” ou “Red Lights Indicates Doors Are Secured”.



Legião Urbana - As Quatro Estações (1989)

Nota: 8,0/10




Ian Tambara







O primeiro disco que ouvi da Legião Urbana chamava-se “Mais do Mesmo”, sim uma coletânea. É o que mais se vê hoje quando falamos de bandas do passado que ainda se ouve no presente. Não digo que seja um equívoco, muito pelo contrário, é o modo mais simples de dar chance a um jovem de ouvir as melhores músicas do Led Zeppelin, dos Beatles ou do Pink Floyd antes de aprofundar-se nas ondas sonoras destes e outros fenômenos da música. O fato é que, atualmente “fãs” das tais bandas revelam um certo incômodo quando veem apenas os hits das mesmas sendo valorizados. Embora a música viva disso, é sempre bom contemplar as obras dessas bandas como um todo.
  
Assim cresci, com uma coletânea da minha mãe com os maiores hits da Legião Urbana tocando em meu mini system. O que eu não sabia é que daquela e de outras coletâneas, pelo menos 50% das faixas vieram do mesmo lugar: o fatídico álbum “As Quatro Estações”. Um álbum que, de 11 faixas, 9 estão entre as mais conhecidas do grupo.


Cada uma das faixas traz particularidades, como se resumissem um pouco de cada característica da banda, que a esta altura já havia se separado do baixista Renato Rocha e se virava como podia para sustentar as suas bases de baixo regravadas por Renato Russo e Dado Villa-Lobos. Podemos citar exemplos como “Meninos e Meninas”, onde Renato Russo traz a discussão da sexualidade, ou “1965 (Duas Tribos)”, que faz alusão à ditadura militar e suas torturas. Além de revelar o lado religioso de Renato em “Monte Castelo” e “Feedback Song For a Dying Friend”, sendo que a segunda tratava-se de uma homenagem a amigos de Renato que sofriam de Aids (dentre eles, Cazuza), onde o nome original seria “Rapazes Católicos”, porém o que sobrou da ideia inicial foi apenas uma base instrumental “árabe” misturada com a batida de rock clássica da banda. Ademais, há também a famosíssima “Pais e Filhos”, que hoje é erroneamente usada como hino pra qualquer tema que envolva amor ou algo do gênero. O que, possivelmente, não era a intenção de Renato, o qual escreveu a canção com o intuito de criticar o mau relacionamento das famílias como justificativa para atitudes radicais, como o suicídio. 



Em relação à musicalidade, a banda segue aquela pegada de post-punk que aparece em todos os álbuns, influenciado pelo new wave e lembrando muito as bandas inglesas da época, deixando de lado o som mais pesado presente em algumas faixas dos dois primeiros discos e, por conta disso, torna-se o álbum mais pop da banda. 



Em suma, “As Quatro Estações” trata-se de um álbum que mais parece coletânea, por ter tanta música boa num lugar só. Portanto, se você ousar falar bem ou mal de Legião, não pode esquecer-se de ouvir, no mínimo, o álbum que ratificou Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá como o trio que (pelo menos pra mim) é até hoje a melhor banda da música brasileira de todos os tempos.


Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=SDzrscdv9js
Real Estate – Real Estate (2009)

Nota: 9,0/10



Eduardo Kapp






Desde 2008, quando alguns demos lo-fi  estavam circulando no underground da rede, rolava uma ansiedade pelo que viria a ser o álbum de estreia do Real Estate. A banda é de New Jersey, e passou por várias fases High-School-Cover-Band-Nostalgia  até começar a desenvolver um som próprio, característico.

A maioria das músicas tem nomes relativos ao verão, ou a praia (?) (“Beach Comber”, “Let’s Rock The Beach”, “Atlantic City”), assim como enormes jams com uma ideia de subúrbio (também no verão, aparentemente). Mas acho que isso limita a ideia geral do material, e também a banda, que pode vir a ser lembrada simplesmente como ‘aquela banda que faz música lenta de praia’. Acho que a ideia se trata mais de uma vibe ~dreamy~ e um filtro chillwave de tons surf/jangle pop mais antigos, vide The Feelies e quem sabe Richie Allen? 

Definitivamente maior que o rótulo, dá sim pra ouvir em inúmeros momentos/lugares, mesmo que não se esteja entre dezembro/março.

A faixa de abertura, “Beach Comber” é decente, com um riff memorável e um ritmo fácil de se gostar. Mas o que vem a definir e tornar este álbum tão único são as próximas faixas. Se você ficou imerso em “Beach Comber”, quando chegar em “Pool Swimmers” vai ser MUITO difícil sair da imersão. É simplesmente de outro mundo, todos os acordes se misturam, sua mente é levada por ondas intermináveis de acordes abertos e sons vindos de um provável Fender Twin Reverb ou algo que o valha. Sem falar da ótima progressão. De alguma forma, todos os sons nessa específica música conseguem se misturar sem deixarem de serem notados. O mesmo vale pra “Suburban Dogs”. Já em profunda imersão, “Atlantic City” é provavelmente o melhor momento do álbum. Uma 60’s-Surf-Jam reinventada, com uma linha de baixo levando a coisa toda, afundado em reverb e tremolo.

Algo que me surpreendeu muito foi os vocais. Existe muita sintonia entre o vocal de Martin Courtney e guitarra de Matthew Mondaine, como se pode ver em “Fake Blues”. Nem dá pra pensar em Real Estate sem lembrar dessa coexistência incrivelmente harmônica,  algo que permaneceu característico da banda, reaparecendo  nos próximos álbuns. De alguma forma, essa sintonia consegue manter as jams na linha, sem sair muito da ideia central das músicas, o que deu muito certo, tornando os riffs cíclicos e ainda mais vivos/memoráveis.

Definitivamente recomendável pra qualquer um que se interesse por chillwave ou surf, pela incrível química e habilidade do grupo de juntar as layers e sons. Tirando algumas pequenas falhas como em “Suburban Beverage”, que pode acabar sendo cíclica/longa demais para alguns, ou “Snow Days” que não parece a música certa pra encerrar o álbum, é um registro extremamente notável e ao mesmo tempo ~despreocupado~.

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=GY0EZBtZFEM

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No caso: Matheus Donay, Eduardo Kapp e Ian Tambara. Não somos nenhum Ryan Schreiber ou Nick Kent. O objetivo aqui inclusive não é dar opinião como se fôssemos grandes experts, mas sim fazer simples recomendações ou não-recomendações de música prozamigo.

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É isso. Começaremos na humildade por enquanto, com álbuns mais conhecidos/clássicos eu acho... Enfim, acompanhem.