13 julho, 2014

Júpiter Maçã - A Sétima Efervescência (1997)

Nota: 9,6





Matheus Donay
Eduardo Kapp






Porto Alegre, anos 90. 

A cena rockeira não vivia seu melhor momento após o fim de bandas importantes como TNT e Cascavelletes, as quais Flávio Basso fizera parte. O ambiente não era favorável no âmbito regional e muito menos em âmbito nacional, onde a sonoridade vigente passa longe das loucuras musicais que viriam com certa dificuldade de mercado e público fiel. Então, os garotos que movimentavam as noites no Bomfim, como Júpiter e Frank Jorge (Graforreia Xilarmônica) começam a aflorar trabalhos que revolucionariam o cenário incerto em que viviam.

Mas o underground sempre resiste. É com os Pereiras Azuis que Flávio grava uma fita demo em 1995. Neste tape com 16 faixas começava a nascer a alma da Sétima Efervescência. Durante dois anos, músicas foram sendo incorporadas, algumas perderam espaço e outras se modificaram. Então, em 1997, chega ao mundo a obra psicodélica do beatle porto-alegrense (atribuição dada pelo próprio). O álbum que chegava sem grandes expectativas e considerado como algo fora de época é aclamado pela crítica e conquista muitos fãs Rio Grande do Sul afora. A turnê foi um sucesso, onde Júpiter foi acompanhado por Julio Cascaes na guitarra (guitarrista nos dias atuais) e Marcelo Gross (hoje guitarrista da Cachorro Grande).

Júpiter revisita e redescobre grandes ídolos, e isso fica extremamente claro com toda a influência de trabalhos como The Piper At The Gates Of Dawn, que foi o disco de estréia do Pink Floyd, no auge de um ainda saudável Syd Barrett. O lance das letras nonsense e principalmente as guitarras com muito fuzz e reverb herdadas de atos garageiros como os Electric Prunes. Sem falar de outras enormes da mesma época, que também tem muita influência aqui, vide The Who e os Beatles, que embora não tenham inventado a coisa toda obviamente estavam e ainda estão no imaginário popular when it comes to the 60's. E Júpiter não tem nenhum medo de deixar isso bem claro, quando "LSD queira tomar e curta // Syd Barrett e os Beatles".

Os primeiros segundos de disco chegam, fazendo jus ao nome, efervescendo na cabeça de quem o ouve. Um Lugar do Caralho é o hit, um hino, o abre-alas dessa odisséia jupiteriana. Elétrica e muito contagiosa, a música é quase uma visão do underground portoalegrense, com todas as suas cores e anseios. A música foi regravada por Wander Wildner, outro ícone da rock gaúcho, que ficou espantado após comprar uma fita e ouvir a versão demo. Há quem confunda o vocal com o notório Raul Seixas, mas quem conhece a atmosfera de Júpiter sabe: a música é dele, e é deste disco. A trama é pautada numa procura por um lugar onde as pessoas sejam mesmo afudê, loucas, super chapadas, onde se possa dançar e se escabelar. Um Lugar do Caralho é muito mais que uma música. Trata-se de um pedaço imprescindível de uma festa de rock'n roll. Trata-se de uma companheira para as noites de dança, loucura e cerveja - mesmo que barata. 

Seguimos adiante com As Tortas e As Cucas, um retrato fiel das loucuras ácido-coloridas de Flávio Basso. Um dos poucos clipes do álbum é desta música, que, recuperado de uma fita, acabou se perdendo um pedaço. Ainda que em plena forma saudável, Júpiter viaja por cenários inusitados, situações aleatórias e até mesmo bizarras. Nesta faixa, o imprevisível é desconhecido, pois ora, o corpo derrete, a sombra tem vida e o eu-lírico se encontra em posição fetal - dentro do próprio guarda-roupa. O solo de flauta na reta final da música evoca uma paisagem bucólica e confortante, onde você também poderá viajar mesmo que sóbrio.

Uma das canções mais psicodélicas do álbum é Querida Superhist x Mr. Frog. É som pra ficar zen, acender um incenso, ouvir e entrar na melodia. Assim como as já citadas, Querida Superhist foi mais um single do disco. Em seguida, Pictures and Paintings. Ou então "liberte o The Who que há dentro de você, man." Então o estilo largado e despojado toma conta e é dado o adeus para os padrões estéticos. "Quero toda sua escrotisse!" (...) "Amei o seu estilo e o seu cabelo / Curto e grudado na testa / Até parece que você não toma banho!"

E como todo bom poeta, mesmo cercado de letras pecadoras quanto aos bons costumes, Júpiter se rende ao amor em Eu e Minha Ex. Num cenário totalmente pautado em Porto Alegre, a música começa de forma um tanto quanto misteriosa e macabra. Em tom de sofrimento, os primeiros versos transpõe diálogos cult-amorosos em algum café do Mercado Público. O refrão é a eclosão da dramaticidade vivida com a amada. Ao prantos, "Eu e minha ex / Queremos amizade / Mas acho que eu não superei / Talvez ainda goste dela." Ouso dizer que é a música com o instrumental mais bem trabalho de todo o álbum. É bem capaz que você se emocione com o eu-poético. E claro, não poderia faltar a psicodelia, mesmo que desta vez acompanhada de altas doses de melancolia. Uma ressaca após as danças tramadas nas primeiras faixas. 

Voltando às suas origens, Júpiter retoma a temática sexual, marca registrada dos Cascavelletes. É o caso das músicas "As outras que me querem" e "Essência Interior". Típico porn rock, com palavrões, baixo calão e termos chulos. Algumas canções, ainda que ricas, são geralmente esquecidas. "Walter Victor" e "O Novo Namorado", mesmo que não tenham se tornado grandes hits do álbum, têm seu valor. Ambas embalam danças e não te deixam cair na inércia. Falando em dançar... "The Freaking Alice (Hippie Undergroove)"! Outra música que "caiu no esquecimento" e que, por detalhe, não é outro hino do álbum. 

Então a lisergia jupiteriana resolve se acomodar em canções macias e leves, como é o caso de "Miss Lexotan 6mg Garota" e "Canção pra Dormir". Assim como em Eu e Minha Ex, o amor retorna como tema, porém agora no sofrimento de Miss Lexotan. "Ela teme intensamente / que jamais conheça um carinha / que vai comê-la estando apaixonado."

Júpiter também é vanguardista. Em uma atmosfera (como você já aprendeu) psicodélica, é acrescentado um tanto de futurismo. Sim, o álbum é de 1997, ouvindo você se sente nos anos 60 e tem a sensação arrancar um pedaço do futuro. Aí você vai encontrar "Sociedades Humanoides Fantásticas", e a música (um tanto sombria e pink floydiana) que dá nome ao disco: "A Sétima Efervescência Intergaláctica", um embarque à viagem ácida ao espaço.

Depois de tanto dito, é de novo óbvia a influência e total imersão nos anos 60 em que Júpiter se encontrava. Fica muito difícil "julgar" isso, porque se por um lado o disco não é nenhuma grande inovação (muito pelo contrário), por outro esse álbum é importantíssimo no cenário local e nacional. Rendeu seus hinos, foi reverenciado e consolidado. Se mesmo com algumas faixas sendo quase que um plágio descarado ("Substitute" de 1966 e "Pictures And Paintings"), o álbum motivou muitos artistas a descobrirem e redescobrirem toda essa temática sessentista e suas afluências. É aquele revival que dá certo, é aquele flashback afudê. Por isso fica claro que o disco não aconteceu do nada! Foi quase que uma consequência natural do contexto de certos grupos relacionados ao ~rock gaúcho~ na época.

E claro, o toque pessoal do Júpiter tem seu valor. Mesmo a musicalidade sendo não tão original, o conteúdo lírico e a temática (como descritos anteriormente) são muitíssimo interessantes, sem falar da imprevisibilidade entre uma música e outra, que vai criando um novo universo a cada passagem. Um essencial quando se fala em psicodelia, rock de garagem e Porto Alegre.

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