24 setembro, 2014

Julian Casablancas + The Voidz - Tyranny (2014)

Nota: 7,8






Eduardo Kapp





Julian volta com outro lançamento por fora dos Strokes. Dessa vez não é estritamente solo, mas quase uma banda paralela, os The Voidz. Esse grupo apareceu pelo metade do ano passado e logo já começaram uma tour notória, tocando em grandes festivais, principalmente pelas américas. Só que isso sem ter lançado nada, afinal, o disco em si saiu oficialmente.. hoje. Jogada promocional que deu muito certo e muito errado, eu diria. Muita gente ficou confusa e sem saber o que esperar, inclusive perdendo qualquer esperança, enquanto outras ficaram crentes de que esse seria um ótimo lançamento.

Mas quem se importa?!?! Indo direto ao ponto, eu sinceramente ainda estou em choque com esse álbum. Logo de início, já dá pra sentir que a coisa vai ser completamente diferente do que foi o Phrazes for the Young, abrindo com "Take me in your Army", com uma linha de baixo repetitiva e hipnotizante, com temáticas mais sombrias e intensas. Reaparecem não só nessa faixa como em quase todo o álbum os falsetes que tiveram grande repercussão no Comedown Machine. Até aí já deu pra sentir muita coisa diferente, mas nada definitivo, até que Crunch Punch aparece.

Uma mistura de um Black Flag em sua plenitude de 83'-84', o The Cars num momento mais obscuro e um pouco de.. Vaporwave (do tipo intenso e curto)?? A questão é que não tem como chegar em muitas conclusões durante o bombardeio sonoro nas próximas faixas. É uma experiência visceral, distorcida, cheia de imagens e destroços caindo sobre campos macios e verdes e nada feios.

Os padrões musicais, os limites e qualquer medo de tentar algo novo é desintegrado em "Human Sadness". Provavelmente um dos pontos altos do álbum (faixa que é também um single), temos aqui uma espécie de balada eletrônica-shoegaze-new wave-garage-rock-post-music. Do tipo, tudo fazendo muito sentido sem fazer nenhum sentido. Do tipo que nem a revista que semanalmente confere elogios gratuitos e vazios pra tudo que os Strokes e principalmente o Julian fizeram consegue digerir. E isso não é ruim. Significa que aqui foi alcançado uma espécie de noise pop que desafia os padrões do ouvinte (despreparado? desavisado?). A faixa é dividida em partes, alcançando inacreditáveis quase-11-minutos (dentro do contexto isso é loucura).

São tantos detalhes, tudo tão se encaixando. Referências intermináveis, até nos títulos das faixas. Descarregando críticas ao governo americano, às pessoas no geral e falando sobre ~tirania~. Fazendo muito barulho. Julian finalmente explorou seu lado punk, só que dum jeito completamente inesperado e interessante. Johan Von Bronx, Where no Eagles Fly são só alguns exemplos.

De qualquer forma, acho que o ponto alto e ao mesmo tempo o ponto baixo do álbum é a experimentação sonora que eles alcançaram. Digo, se em algumas faixas tem sons bem diferentes e estranhos, inovadoras, em outras tem uns ritmos meio nonsense, quase fora do lugar? Dare I Care tá realmente muito difícil de encarar durante seus intermináveis 6 minutos e meio. A música tem um ritmozinho muito chato e é toda cheia de partes completamente diferentes, tendo até umas referências sonoras a época do Angles. A coisa toda da "Tirania" tem seus momentos de vergonha alheia também, o que era de se esperar de um álbum grande tentando falar sobre política, embora isso não seja completamente ofuscante de sua qualidade musical.

Definitivamente é uma experiência imersiva muito interessante. Vinda do Julian, que já quase pareceu que não ia mais tentar algo novo, foi uma grande surpresa. Vale muito a pena dar uma chance pra esse som, mesmo que demore um pouco pra entender e se fazer sentir parte do feeling que tem por aqui.

21 setembro, 2014

Cachorro Grande - Costa do Marfim (2014)

nota: 7,0






Matheus Donay





Existe uma espécie de cláusula moral que diz que o vestuário deve ser compatível com o som. E sim, aquele terninho engravatado do primeiro álbum em 2001 era um spoiler de que se tratava de um disco de rock saudosista. 13 anos após, o terno é substituído por exóticas roupas coloridas com pelagem de animais africanos. Costa do Marfim.

O rock contemporâneo se inclina e ruma à novas correntes que ocupam tempo e espaço. Como foi a psicodelia nos anos 60 ou o grunge e britpop nos anos 90. Curvando-se a essa tendência, a Cachorro Grande inova e abraça a neo-psicodelia, bem como troca os Stones pela nova geração ao melhor estilo MGMT. Uma evidência é o clipe do primeiro single, Como Era Bom, onde os caras estão todos pintados sob luzes fluorescentes e efeitos entorpecentes de filme.

Gravado no continente africano (não me pergunte porquê), o novo álbum é uma espécie de iconoclastia musical e quebra toda uma linha de produção que se estendia pelos primeiros trabalhos. Tudo bem, o antecessor Baixo Augusta já fugia um pouco o padrão Cachorro Grande. Costa do Marfim se apropria de certos elementos do último disco e não poupa na intervenção eletrônica.

Interessante também é a temática do CD como um todo. Desde a capa, encarte, clipe e a sua primeira música, xará do mesmo. Uma combinação de sonidos de animais nativos da África, ondas do mar sobrevoadas por aves (quase que um safari pela Savana) - sem contar os gritos humanos que imitam tribos locais.

O quinteto se atira a sua própria diversão. A impressão que dá é que os caras resolveram tocar o que têm ouvido mais ultimamente e lançar num cd. Perguntado sobre o tempo das músicas (que são na maioria entre 4 e 8 minutos), Beto Bruno diz que não tá nem aí, "o nosso som não vai tocar no rádio mesmo." O que deixa o álbum numa fluidez natural.

O guitarrista Marcelo Gross lançou esse ano seu disco solo, intitulado "Use o assento para flutuar". O mesmo nome é usado em uma canção do disco. A sugestão é de viagem. Sentar, apenas ouvir música, viajar. E Costa do Marfim sim, é um disco para flutuar ao além.

Musicalmente, chuto de longe as melhores do álbum: o single Como Era Bom, O Que Vai Ser e Torpor partes 2 e 5. Entrando em detalhes, Torpor partes 2 e 5 foge um pouco à receita de se fazer música. Começa como uma jam eletrônica até entrar o vocal rouco e cansado, que ao invés de cantar, relata duas situações absurdamente entorpecentes. Efeitos psicoativos. Distorções de realidade. As famosas bad trips.

Costa do Marfim é intrigante. Porque é uma ruptura, o início de uma nova era para a banda. É um disco agradável, mas não feito para agradar. Você pode curtir os riffs do Gross, os sintetizadores do Pelotas ou a energia eletrônica que fomentou boa parte do disco.

Onde ouvir: http://www.cachorrogrande.com.br/

16 setembro, 2014

My Bloody Valentine - M B V (2013)

Nota: 9,3






Eduardo Kapp





Cara. Já fazem mais de 20 anos. 20 anos desde o lançamento essencial do My Bloody Valentine. No caso, um dos discos mais importantes (e caros) dos anos 90: "Loveless". Extremamente bem recebido pela crítica, conquistando uma parcela de fãs muito fiéis, influenciando bandas e mais bandas com o que acabou sendo chamado de shoegaze, combinando várias camadas de efeitos e guitarras distorcidas com vocais etéreos e quase escondidos no fundo das músicas. Um álbum que alterou toda a percepção de o que era música e como se fazia música de milhares de pessoas. De qualquer forma, essa história já é conhecida, ainda mais depois de tanto tempo.

Só o que talvez a galera não saiba, é que o Loveless também foi o último lançamento da banda em todos esses 20 e 2 anos (até 2013). Talvez pela falência da gravadora, que gastou algo como 500 mil dólares no disco e este nem de longe recuperou a grana; pela obsessão perfeccionista do líder criativo do grupo, Kevin Shields, que era relutante em lançar o pouco material novo que compunham entre 92' e 95'; pela falta de paciência de O'Ciosoig e Googe, que saíram da banda nos anos seguintes. A questão é que durante esse tempo de incertezas, muito se falou em um terceiro álbum, que talvez pudesse ser grandioso como seu anterior. Existiam todo tipo de rumores. Shields chegou a dizer numa entrevista em 97', num chat da AOL (!!!), que se não lançasse o novo álbum naquele ano, estaria morto. Shields viveu mas o álbum continuou embriônico.

Todas essas tretas levaram ao inevitável fim da banda. Ninguém mais tinha esperança de que o lendário terceiro álbum algum dia fosse se tornar realidade. As pessoas já estavam confortáveis com o fato de que eram só rumores e nada aconteceria. Eis que então, depois de uma inocente reunião da banda em 2008, os caras começaram um world tour (o primeiro desde 91), tocando em dezenas de lugares. "Ok, legal, eles estão tocando de novo, mas nah, não vai rolar novo álbum, já faz muito tempo". Janeiro de 2013, Shields anuncia que o novo álbum está pronto e masterizado, e seria lançado em alguns dias. Finalmente o rumor era verdadeiro. Chegava ao mundo o terceiro álbum do My Bloody Valentine.

De surpresa, o que poderia se esperar de um disco como esse? Com tanto tempo entre um lançamento e outro, será que de longe se aproximaria do clássico de 91'? Todos estavam com medo de ouvir, tantos os fãs da época, quanto os fãs mais novos que eles ainda conquistavam (me incluo aí).  Será que o tempo de espera, a expectativa, o hype devem corresponder a qualidade do álbum? Não.

Pensar no M B V como um disco lendário não é coerente. Não faz sentido colocar toda essa pressão. O jeito era ouvir como se fosse apenas outro lançamento, mas nos primeiros acordes de "She Found Now", já deu pra perceber que, se esse disco fosse lançado em 92, não teria feito diferença. Eles começaram exatamente onde o Loveless parou. É como se nada tivesse mudado. Será que eles não envelhecem? Como eles pararam no estilo de 20 anos atrás?

A mesma receita: camadas e camadas, ondas de noise, as características levadas pela tremolo bar de uma jazzmaster com afinação diferente a cada nova faixa. A suave e macia voz de Bilinda Butcher continua surtindo o mesmo efeito de contradição e oposição ao barulho violento de Shields. E a receita novamente deu muito certo. A energia permanece inalterada em "Only Tomorrow", "Who Sees You" e "In Another Way". Intacto, à altura do Loveless.

Os vocais quase em sussurro, os timbres barulhentos, a bateria marcada e simples dão vida a um disco que consegue alcançar uma intimidade com o ouvinte mesmo em meio a tanto "caos". Essa sempre foi a peça-chave da banda, que é o que faz ser tão adorada ou tão odiada.

Talvez os únicos problemas por aqui sejam a tentativa eletrônica/pop em alguns sons como "New You" ou a suave "Is this and Yes", que embora sejam interessantes, parecem sem muita direção, soltas. E, claro, será que o fato de soarem praticamente iguais a 20 anos atrás seja tão bom assim? De qualquer forma, acho que todos concordam que independente de tudo: esse foi um ótimo álbum.

04 setembro, 2014

Ian Ramil - Ian (2014)

nota: 8,3





Matheus Donay





Ian Ramil é filho de Vitor Ramil, sobrinho da dupla Kleiton e Kledir, compositor de algumas canções da Apanhador Só e também dono do disco que leva seu nome, Ian. E filho de peixe nem sempre peixinho é. Ian lança o seu primeiro disco com sua própria carteira de identidade. Adulto e maduro. Até demais para um disco de estreia. 

O álbum é um retrato da nova geração de músicos gaúchos. Não necessariamente precisa-se de guitarras carregadas de efeitos ou riffs que ficam na cabeça. Muito longe disso, concreto em sua própria identidade, o álbum não tem gênero específico, o que pode justificar a autenticidade do artista. Sem falar das influências que vão dos Beatles à música popular brasileira, de Jorge Ben à Nirvana.

Gravado em Buenos Aires, o disco conta com recursos longe de coisas megalomaníacas. Boa parte das canções focam em instrumentos de corda como violões, ukulele, coisas simples. Lá, raramente, surge algum trompete,  um sax, por ora até algum beatbox. 

Você já deve ter ouvido/lido o nome desse cara em alguma entrevista ou encarte de disco da Apanhador Só. Claro, Ian compôs vários hits da banda como Um rei e o zé, Nescafé e Despirocar. Com arranjos diferentes do pop rock da Apanhador, gravou em seu disco as músicas Rota e Nescafé. Na música Zero e um é possível notar algum parentesco com Vitta, Ian, Cassales (o Ian da música é o próprio), tanto no tipo de  letra quanto no instrumental.

Nescafé (no seu disco) vem com um tempero a mais e Ian incorpora os beatles com vozes que referenciam She's so heavy. Nota-se um processo criativo bem alternado e variável na progressão das músicas, alternando as líricas canções de amor como Suvenir e Seis Patinhos com as mais cotidianas Pelicano e Zero e um. Sem contar o country americano de Hamburger e a instigante Cabeça de Painel, que mescla trechos em inglês-português.

Ian é um disco abrangente. Flerta com muita coisa mesmo contando com arranjos simples. Influenciado pelo tripé The Beatles-Nirvana-Radiohead e remodelado à brasileirisse popular, disco interessante para os apreciadores de rock, mpb, samba e pop. Além de ser uma surpresa, figura entre os melhores disco do ano no Brasil.

Onde ouvir: http://www.ianramil.com/