22 novembro, 2014

Tom Zé - Tribunal do Feicibuqui (2013)

nota: 4,0





Matheus Donay






Quem conhece o Tom Zé, sabe.

Irreverente, ácido, provocativo e inocente com porte de malícia nas entrelinhas. Seria estranho esperar algum trabalho dele sem esses ingredientes. A grande surpresa é que Tom muda o alvo e dirige o sarcasmo desta vez ao seu público.

Tudo começou quando Tom Zé emprestou a sua voz para o comercial da Coca-Cola em meio à polêmica Copa do Mundo que tanto perturbou o povo e, de certa forma, militantes/simpatizantes da esquerda. A obra do baiano sempre foi marcada por críticas a partir de um viés resistente ao modo americano e capitalista em um contexto geral. A politização das canções conquistou fãs que, não por coincidência, também se politizaram. Foi aí, fazendo a propaganda da "Copa do todo mundo", que as caixas de mensagem nas redes sociais foram ocupadas com críticas negativas daqueles que cobravam uma coerência entre o discurso e a prática do cara.

5 faixas contemplam o EP, todas com o mesmo tema, mesmo tempo, mesmo espaço, mesmo público-destino. Tom Zé não exita em retrucar as críticas e começa o trabalho com a música que carrega o nome do álbum: Tribunal do Feicibuqui. Acompanhado nesse jogo de sarcasmo, os convidados Emicida e Tatá Aeroplano insultam Tom na canção, com reclames do tipo "vendido a preço de banana! Americanizado! quer bancar Carmem Miranda!" o que, pasmem, revelam uma face hipócrita tanto do Tom Zé quanto do Emicida, que como representante de uma classe excluída, compactua com um evento de maior exclusão ainda, como é a Copa do Mundo.

A língua afiada segue trilhando faixa a faixa todas as composições do disco. É o que rola com Zé a zero e Taí.  Uma série de desdenhos e um braço que não se dá a torcer.

Artisticamente, Tom Zé segue grande. Jogando com palavras, brinca com poesia concretista e aliterações: copa aqui, copa acolá, coca-cola. Aquele lance meio coca-cola e coacla. O destaque do campo musical fica com o apelo em Papa Francisco, um pedido de perdão pelo "erro" do baiano. Os caras do O Terno fizeram o lance todo em parceria com o Tom. Resultou numa marchinha bem instrumentada e em grande parte do tempo cantada pelo Tim Bernardes.

No final do episódio, Tom Zé a acabou doando o cachê para uma instituição de Irará, sua cidade natal. Soou como um "tudo bem galera, vou doar a grana, parem de me incomodar." O que se presenciou foi um cara avesso ao que construiu em sua carreira, ideologicamente falando. O subversivo artista dos anos de chumbo lançando um trabalho de embate aos fãs críticos. Não é o que esperamos do bom e velho Tom Zé.


Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=w0GKk0r-W5k

16 novembro, 2014

Pink Floyd - The Endless River (2014)

Nota: 7,3







Eduardo Kapp





Nessa segunda feira (dia 10 de Novembro) foi lançado o que é provavelmente o último álbum do Pink Floyd. O último desde o Division Bell (de 1994), completando 20 anos sem nada de novo. Na verdade, não é algo exatamente "novo", afinal essas músicas deveriam ter sido o "disco 2" de um Division Bell duplo que não chegou a ver a luz do dia devido a questões contratuais e etc.

Se não é nada de novo, porque fazer disso um álbum? Gilmour e Mason pretendem, na verdade, homenagear e lembrar Richard Wright, que foi nada menos que um dos membros originais da banda, permanecendo em todos os álbuns (mesmo que em alguns como músico contratado). Morreu em setembro de 2008. Sendo muito justo, esse tributo faz com que o álbum seja quase instrumental por inteiro.

O nome "The Endless River" é provavelmente uma referência ao final do Division Bell, nos versos de "High Hopes": "The Water Flowing // The Endless River // Forever and Ever". Pode ser também uma referência a um dos primeiríssimos singles da banda, "See Emily Play" (1967): "Put on a gown that touches the ground // Float on a river for ever and ever".

Acho que já deu pra perceber que pra se falar desse disco é preciso lembrar um pouco do contexto da banda pós "The Final Cut" (1983), quando Roger Waters sai do grupo, por divergências pessoais e criativas. Ele sai pensando que a banda ia acabar com sua saída, mas após um longo processo judicial o restante dos membros consegue manter os direitos e o nome "Pink Floyd", entrando assim na "Era Gilmour", onde David Gilmour (duh?) é a liderança criativa.

Essa "era" é muito mais focada na música do que na letra, é mais cansada e mais velha, é um Gilmour refletindo sobre o fim de sua carreira (e sua vida), nostálgico. Sendo assim, é óbvio que isso ia refletir no "The Endless River". Só que a mais notória diferença aqui é que, por ser uma homenagem logo ao Wright (deusa o tenha), tem muito mais improviso no lugar das notas frias e metódicas.

São 18 faixas (e ainda tem umas 5 bônus tracks), tendo vocais em apenas uma delas, "Lost for Words" (com a letra escrita pela mulher de Gilmour). No início já nos deparamos com "It's what we do", uma espécie de Shine on you crazy diamond barata, lembrando muito principalmente pelo synth. Ou seja, esse disco é talvez o único em todo o catálogo da banda que olha mais pro passado do que pro futuro, sem apostar em nada inovador ou diferente. Virtual/literalmente são memórias e mais memórias de álbuns como o Wish you Were Here, The Wall e o próprio Division Bell.

Mas o que salva a coisa toda por aqui é talvez... justamente isso? Tudo bem, não foi uma enorme despedida com um material super significante e tudo, mas foi um ótimo jeito de, sabe, lembrar os bons tempos? Ainda dá pra ouvir uma banda se divertindo e colocando energia em faixas como "Sum" (provavelmente a melhor do disco), "Skins" (Mason se soltando, finalmente) e "Allons-Y" (os acordes The Wall-ianos).

Tudo bem que tem umas músicas que mais parecem trilha sonora de vídeo de formatura de colégio, meio Enya, sei lá. Tudo bem que em pelo menos 3 ou 4 faixas são só jams sem nenhuma direção ou propósito. Tudo bem que o Hawkin aparece OUTRA vez (porque é que ele apareceu at all em qualquer disco?).

A questão é que se você é fã, conhece boa parte do trabalho do grupo e gosta de umas coisas mais experimentais/instrumentais, é um disco que te deixa no mínimo nostálgico e pensativo.

Onde ouvir: http://grooveshark.com/#!/album/The+Endless+River/9944627