28 dezembro, 2014

Karol Konká - Batuk Freak (2013)

Matheus Donay





nota: 7,0






Por mais bizarro que pareça, conheci a Karol Conká jogando futebol no video-game. Não foi amor à primeira vista mas agradava aos ouvidos, mesmo que na hora eu não tivesse dando muito atenção à trilha do jogo. Passados vários dias, encontrei a música na linha do tempo em alguma mídia social por aí. Talvez uma paixãozinha à segunda vista, quem sabe.

A música a que me refiro é o single Boa Noite (e já adianto que é uma das melhores). O disco muito me lembrou a notória Beyoncé (entre outras) por N motivos. Presença, ritmo, ginga, culhão. Konká talvez não chegue a ser tão pop quanto a americana. Na linguagem química, uma mistura heterogênea. O beat e o pop americano, o rap brasileiro e o batuque africano.

Não costumo ser um grande fã dos ditos gêneros do disco, mas é indiscutível a importância de álbuns desse naipe dentro do cenário brasileiro. Seja pra difundir a cultura, pra consumo do público ou firmamento de identidades. Batuk Freak tem muito disso, e a Karol não mede esforços pra deixar bem claro em cada música: isso aqui vem da periferia / isso aqui vem lá da África. 

Um registro que a curitibana Conká deixa eu seu trabalho é a nova interpretação pra Caxambu, sambinha de Almir Guineto. (confesso que não sabia que a música era regravada de tanto que ficou a cara dela, rs). As letras variam entre rolês, o mundo à noite, personalidades e algum tom de crítica social.

Mais de um ano após o lançamento, recebendo ótimas referências da crítica, parece que a Karol Conká foi de fato acolhida pelos mais variados grupos e é presença confirmada nos setlists de bailes, seja na periferia ou no centro. Entre prêmios e indicações há alguns anos, Batuk Freak trouxe estabilidade e firmamento. Como diria Aristóteles: Karol Conká não é mais potência, é ato.


23 dezembro, 2014

Criolo - Convoque Seu Buda (2014)

nota: 9,2





Matheus Donay






Antes do lançamento do Convoque Seu Buda, a questão era: o que esperar do Criolo 3 anos após o (louvado seja) Nó Na Orelha? Até tinha receio que o mainstream subisse à cabeça desse cara. Tsssss, que nada. Criolo "repete a receita" do seu segundo disco. Não, não que ele seja um artista que utilize de fórmulas prontas pra fazer um trabalho - muito ao contrário. Mas mantém a humildade e a fidelidade com sua carreira artística.

Os saudosistas esperavam por algo meio próximo ao Ainda há Tempo, lá de 2006. Aquele rap sem maquiagem, tramitado em beats, simplório e de vocal tocado do início ao fim. O Nó na Orelha, sucessor, já era mais eclético. Ia do samba ao rap, do MPB ao afro, tudo isso em poucos minutos. E é bem por aí que o Criolo mantém a receita. Convoque seu buda é de tudo um pouco. Uma mescla de rap, reggae e tudo que o a brasileirice musical pode ofertar. Em Pegue Pra Ela rola um solo de guitarra que chegou a me lembrar Os Mutantes... é. Álbum que não dá margem pra falar que o rap não tem criatividade e melodia.

Temático, eu diria. Desde as vestimentas nos shows, nome e capa do álbum e a letra da primeira, Convoque seu Buda. Algo meio místico. Meio alegórico. Enigmático. Instigante. Palavras não faltam pra descrever o conjunto além-música que ronda esse disco. O intérprete Criolo também instiga cada vez mais. É em cima do palco, sendo muito mais do que um reprodutor da música, mas sendo parte dela, parte do espetáculo. Sem delongas, esse vídeo demonstra bem a interpretação para sua própria música. É olho no olho, tête-à-tête. 

Não que seja regra o rap falar sobre problemas sociais, mas o gênero ainda é marginalizado junto com quem o produz. Criolo talvez já não seja mais visto assim pois acabou bem sucedido e reconhecido pelo seu trabalho, mas ainda continua a colocar o dedo na ferida e deixar sempre nas entrelinhas a sua mensagem. Destaco Casa de Papelão como uma das melhores letras, um retrato dramático de quem luta pela moradia. Outra que vale o destaque é Cartão de Visita, que conta com a participação da Tulipa Ruiz. Uma exposição de luxúrias das mais variadas, pura ostentação. Criolo cita MC Lon portando VIP e Tássia com seu blog de fina estirpe, enquanto o menino no farol se humilha e detesta. É amigo: não é GTA, é pior, é Grajaú. Fermento pra Massa e Plano de Voo não ficam pra trás.

Criolo conquistou seu público com o segundo disco, e cativa cada vez mais pessoas com o novo trabalho. Com pouco tempo de vida, Convoque Seu Buda já é um disco cultuado. Já tá na boca principalmente de uma juventude que se identifica com muita coisa. Seja uma causa social, um descontentamento expresso nas canções ou o conjunto da obra. Criolo desempenha papel fundamental frente à classe artística brasileira. Sustenta sons tipicamente brasileiros ao mesmo tempo em que difunde um gênero que enfrenta muita dificuldade para obter espaço: o rap. Convoque Seu Buda é, de longe, um dos melhores álbuns lançados em 2014.

16 dezembro, 2014

Janelle Monáe - The ArchAndroid (2010)





Nota: 9,0 





Fernanda Rodrigues




Janelle Monáe não é para os desavisados (e por isso eu estou aqui). Estejam preparados para passar de um gênero musical a outro (no mesmo álbum) e para se pegarem balançando a cabeça no ritmo das músicas o tempo inteiro. The ArchAndroid é a sequência do primeiro EP da moça, Metropolis: Suite I (The Chase) (2007), através dos quais ela conta a história de seu alter ego Cindi Mayweather, um androide messiânico a-la os filmes Matrix (1999) e o próprio Metropolis (1927) e que deve voltar no tempo para salvar os cidadãos de Metropolis de uma ordem secreta que quer suprimir o amor e a liberdade, a The Great Divide. Tema incomum para um, ou melhor, dois álbuns? Talvez, mas isso é apenas uma das coisas a chamar atenção em The ArchAndroid.

Para entender melhor, precisamos saber quem é Janelle Monáe: born in Kansas, ela tem uma voz fabricada em corais de igrejas (impossível não imagina-la com seu topete, de terninho, sapateando no altar de alguma igrejinha do interior cantando “Oh, happy day!”) e conviveu com pais que passavam por diversas crises familiares – sua mãe era faxineira e seu pai, dependente químico. A questão é que, ao invés de isso desanimá-la, Janelle inspirou-se muito em sua mãe e em sua avó para criar seu alter ego. Ela via nas mulheres de sua família, assim como em várias outras, a figura da mulher forte, destemida, que não se abalava frente aos desafios. Dá pra ver claramente que Cindi Mayweather veste muito bem essa capa feminista através das 18 faixas que compõem o álbum, quando tem uma responsabilidade tão grande de salvar os cidadãos de Metropolis – e, mesmo diante desse desafio, ela sabe que tem poder suficiente para tanto.

E é desse modo que Janelle se libera em The ArchAndroid: destemida, ousada e ambiciosa. A aparente “loucura” de alternar entre gêneros pode soar perigosa em um primeiro momento (e estamos falando aqui de R&B, funk, pop e art rock), mas ao longo das faixas dá pra ter certeza de que ela sabe (muito bem) o que está fazendo, tendo em vista que não parece em nenhum momento que a cantora se perdeu ou que ela está apenas brincando de inovar. Já tem gente até comparando ela com Michael Jackson, Prince e Aretha Franklin depois desse álbum, mas o que a gente vê mesmo é que ela não quer apenas reproduzir o que outros já fizeram (talvez pegar uma inspiraçãozinha daqui, uma influência dali, mas sempre sendo apenas Janelle Monáe). E, bom, não é difícil perceber que não há nada muito parecido com ela atualmente, ainda mais porque ela sempre transpassa um tom muito intimista pras letras (dá pra dizer que o que ela produz parece uma sessão de psicanálise onde cada verso é uma confissão das sinapses perturbadas do seu cérebro). Quer dizer, tudo bem, ela não é a única a fazer essas paradas de diferentes gêneros musicais, mas não é qualquer um que consegue ter uma voz que se encaixe com “qualquer coisa”. Além do mais, é impossível não sentir o que cada música quer transmitir. Janelle parece ter feito questão de fazer com que o tom de sua voz se encaixasse exatamente com o feeling de cada faixa. Em “Come Alive (The War of The Roses)”, ela canta sobre um esquizofrênico e é exatamente assim que a gente consegue sentir a melodia: ensandecida, descontrolada, com lapsos repentinos. Além de querer criar uma identidade própria, Janelle praticamente fez com que cada uma das músicas tivesse a sua própria marca também, ~sem deixar a peteca cair~ na hora de fazer com que uma tivesse relação com a próxima.

Esse seu interesse por ficção científica, ainda, nos faz lembrar até mesmo da recente entrevista dos irmãos Smiths, que têm sido considerados “malucos” por ler sobre física quântica. Oi? Se eles seguirem o caminho de Janelle, quem sabe não sejam os próximos a fazer um ótimo álbum com faixas que traduzam uma história maluca de viagem no tempo, teoria da relatividade e força gravitacional (?). Depois desse conto da androide Cindi Mayweather, já deu pra perceber que a música acolhe muito bem esse estilo de literatura. Até lá, fiquemos com a revolução afrofuturista de The ArchAndroid. Deixemos Janelle ganhar mais espaço e criar um gênero do tipo Monáe-sci-fi-style ou algo assim. O que importa é que agora temos mais uma cantora com pegada visionária que não quer cair na mesmice e muito menos na nem tão famigerada mainstream. Não nos decepcione, Janelle. May the odds be ever in your favor.

11 dezembro, 2014

Identidade - Jogo Sujo (2007)

nota: 7,3





Matheus Donay






Ah, o rock gaúcho...

Wander Wildner dizia em uma entrevista que para ele essa história  não existe, que todo bairrismo é fascista e que rock é rock seja no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, whatever. Tudo bem, gaúcho gosta mesmo de valorizar o que é da terra nativa e claro, com a música não seria diferente. Desde a ascensão de bandas como  TNT, Cascavelletes, Garotos da Rua e De Falla, aliado ao forte movimento contra-cultural que tomava as ruas do bonfim em Porto Alegre nos anos 80, o rock ganhou firmamento e construiu uma identidade característica no sul. 

Obviamente, as bandas mudam, os sons acompanham as mudanças mas a bandeira do rock daqui manteve-se. A Identidade foi uma dessas bandas que ajudou a manter o movimento nos anos 2000. Batizada no começo por Identidade Zero, o primeiro álbum não tinha aqueeela qualidade de gravação, mas ainda assim não era um trabalho desprezível se levarmos em conta que era uma banda em inicio de carreira. 

Surge então em 2007 o Jogo Sujo. Com formação nova, ideias novas, timbres novos. Ok, fica explícito que o disco é um culto aos Rolling Stones, mas isso não é vergonha pra eles, que se orgulham de ter um som inspirado nos ingleses. O vocal novo de Evandro Bitt chegou como um curinga no novo estilo de som, agora dançante e transbordando energia. A própria presença de palco era outra após as mudanças. Bitt, you moves like Jagger.

Nas letras o recorrente apelo sexo-amoroso, mas sem palavras ~chulas~ e cenas explícitas. O próprio nome de algumas músicas já anunciam as tramas, como em A sós, sem pudor, Ninguém é de ninguém, e Nosso tesão não vai ter fim. A baladinha amorosa do disco fica por conta de Miss Sixty: a clássica levada nos tecladinhos e percussão cadenciada.

No instrumental, o clássico padrão rock: uma guitarrinha meio ~enferrujada~ distorcendo a levada oriunda da guitarra base. Alguns solos costurados aqui e ali. Bateria acompanhando o som e acolá uma meia-lua.

Lucas Hanke, o guitar-man ja não era mais um guri (apesar de se deixar levar pela cabeleira). Tocava em shows na banda de apoio do Júpiter Maçã. Sons diferentes dos da Identidade, ok, mas agora com outro nível de experiência, criatividade (mesmo que baseada em alguma bíblia escrita pelo Keith Richards rsrsrs) e ousadia pra substituir os violões e guitas marcadas pelos riffs trabalhados e melódicos.

Com a ascensão da internet ficou muito mais fácil achar os artistas de determinados gêneros. Hoje em dia Jogo Sujo - para aqueles que nao o conhecem ou gostam do estilo - é um album sem uma visibilidade merecida, como funciona com boa parte das bandas do RS que estão fora da rota da grande midia. Ainda assim, o álbum sustenta, junto com o trabalhos posteriores, casas de show com público fiel. Atualmente, Jogo Sujo é expectativa de boas danças e um revival agradável nos bares Rio Grande do Sul afora.


Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=f5B1k3-6S3o

08 dezembro, 2014

Flying Lotus - You're Dead (2014)

Nota: 9,0







Eduardo Kapp





Rapaiz, esse disco.

Desde 2006, Steven Ellison, a.k.a. Flying Lotus vem deixando trabalhos incríveis. Redefinindo limites musicais a cada lançamento, é um artista bastante versátil. Rapper, produtor, manjador das tecnologias e doido em tempo integral, é alguém que nunca sabemos o que esperar, musicalmente falando. 

Desde o "Until the Quiet Comes" eu fiquei cada vez mais surpreso e intrigado com os sons advindos desta persona. Quem aí lembra daquele short-film (2012) do álbum, que tinha 3 de suas músicas tocando, enquanto imagens exóticas eram combinadas com imagens (também exóticas) da periferia, mostrando uma espécie de visão das guerras de gangue do ponto de vista de um universo paralelo (???).

Era nessa mesma época que eu comentava cozamigo: "velho, essa coisa é vanguarda, é de outro mundo, não pode ser!!!". Absurdamente, essa vanguarda de Steven Ellison só se expandiu no "Cosmogramma". Agora, no "You're Dead", mais do que nunca, é a epifania máxima do artista. Aqui, todas as suas influências estão claras, todo seu modus-operandi dá as caras e tudo flui da maneira mais natural possível. Combinando de formas impensáveis o Jazz com o Rap e talvez algumas estruturas avant-garde de algo que lembra o rock underground do fim dos anos 60 e é claro: a música eletrônica, que sempre  foi peça chave em seus trabalhos.

19 faixas, com somente 2 delas tendo mais de 3 minutos. Quasi-conceitual, a temática aqui retoma também um pouco dos álbuns anteriores, que buscaram respostas para o entendimento do universo, do subconsciente, dos sonhos, da periferia e agora, neste disco: A morte. Presente na vida de todos, temida, desejada, indecifrável, o medo do desconhecido. Todos esses aspectos estão aqui explorados, transcendendo entre as lacunas do que entendemos e até onde podemos pensar dentro de qualquer um desses paradigmas sobre a morte.

Talvez, então, por unir lacunas, por buscar uma espécie de conjunto de respostas, as músicas fazem mais sentido como um todo com exceção, talvez, dos singles "Never Catch Me (ft. K. Lamar)" e "Dead Man's Tetris (ft. Cap. Murphy & Snoop Dogg)", que possivelmente foram o motivo pelo qual o disco emplacou na billboard ou algo que o valha (e eu não tô reclamando).

"Agitados" ou "parados" (eu odeio esses adjetivos pra se referir a música), a maior parte dos momentos são bastante contemplativos, expondo pensamentos e temáticas de forma sutil (ou não), num fluxo. Mesmo assim, por mais reflexivo e over-complexo que possa ser, em nenhum momento deixa de ser interessante. É aí que voltamos para o assunto das influências: o jazz está mais presente do que nunca. 

E não é qualquer jazz, ou qualquer influência: Steven Allison é simplesmente sobrinho-neto (eu não sei se isso existe) de Alice Coltrane, sim, esposa do lendáriow John Coltrane. E não pense que é um mero revival, é o clássico intimamente ligado ao novo, é a metamorfose necessária pro ciclo. Free-Electro-Hip-Hop-Jazz. 

Esse parentesco está também ligado a temática: Alice Coltrane morreu em 2007, época onde algumas faixas desse disco já estavam em seu formato embriônico. Se momentos onde a temática do álbum, a reflexão e certas excentricidades eram detalhes dos álbuns anteriores, neste é um ponto central. 

Os vocais de Angel Deradoorian em "Siren Song", cadenciados, em meio a drones e sintetizadores; a minimalista "Ready Err Not", com pequenos e estranhos sons ritmados; "The Boys Who Died In Their Sleep", que é praticamente indescritível.

Um legado é o que esse disco deixa, projeta uma sombra enorme no caminho de quem tomá-lo como influência. Experimental, visionário, ambicioso em tantos aspectos. Provavelmente entre os 10 melhores desse ano.

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=Fi3afWk_c4E