Nota: 9,0
Fernanda Rodrigues
Janelle Monáe não é para os desavisados (e por isso eu
estou aqui). Estejam preparados para passar de um gênero musical a outro (no
mesmo álbum) e para se pegarem balançando a cabeça no ritmo das músicas o tempo
inteiro. The ArchAndroid é a
sequência do primeiro EP da moça, Metropolis:
Suite I (The Chase) (2007), através dos quais ela conta a história de seu
alter ego Cindi Mayweather, um androide messiânico a-la os filmes Matrix (1999)
e o próprio Metropolis (1927) e que deve voltar no tempo para salvar os
cidadãos de Metropolis de uma ordem secreta que quer suprimir o amor e a
liberdade, a The Great Divide. Tema incomum para um, ou melhor, dois álbuns? Talvez, mas isso é apenas
uma das coisas a chamar atenção em The
ArchAndroid.
Para entender melhor, precisamos saber quem é Janelle
Monáe: born in Kansas, ela tem uma voz fabricada em corais de igrejas (impossível
não imagina-la com seu topete, de terninho, sapateando no altar de alguma
igrejinha do interior cantando “Oh, happy
day!”) e conviveu com pais que passavam por diversas crises familiares –
sua mãe era faxineira e seu pai, dependente químico. A questão é que, ao invés
de isso desanimá-la, Janelle inspirou-se muito em sua mãe e em sua avó para
criar seu alter ego. Ela via nas mulheres de sua família, assim como em várias
outras, a figura da mulher forte, destemida, que não se abalava frente aos
desafios. Dá pra ver claramente que Cindi Mayweather veste muito bem essa capa feminista
através das 18 faixas que compõem o álbum, quando tem uma responsabilidade tão
grande de salvar os cidadãos de Metropolis – e, mesmo diante desse desafio, ela
sabe que tem poder suficiente para tanto.
E é desse modo que Janelle se libera em The ArchAndroid: destemida, ousada e
ambiciosa. A aparente “loucura” de alternar entre gêneros pode soar perigosa em
um primeiro momento (e estamos falando aqui de R&B, funk, pop e art rock), mas ao longo das faixas dá pra ter certeza de que ela sabe
(muito bem) o que está fazendo, tendo em vista que não parece em nenhum momento
que a cantora se perdeu ou que ela está apenas brincando de inovar. Já tem
gente até comparando ela com Michael Jackson, Prince e Aretha Franklin depois
desse álbum, mas o que a gente vê mesmo é que ela não quer apenas reproduzir o
que outros já fizeram (talvez pegar uma inspiraçãozinha daqui, uma influência
dali, mas sempre sendo apenas Janelle Monáe). E, bom, não é difícil perceber
que não há nada muito parecido com ela atualmente, ainda mais porque ela sempre
transpassa um tom muito intimista pras letras (dá pra dizer que o que ela produz
parece uma sessão de psicanálise onde cada verso é uma confissão das sinapses
perturbadas do seu cérebro). Quer dizer, tudo bem, ela não é a única a fazer
essas paradas de diferentes gêneros musicais, mas não é qualquer um que
consegue ter uma voz que se encaixe com “qualquer coisa”. Além do mais, é
impossível não sentir o que cada música quer transmitir. Janelle parece ter
feito questão de fazer com que o tom de sua voz se encaixasse exatamente com o
feeling de cada faixa. Em “Come Alive (The War of The Roses)”, ela canta sobre
um esquizofrênico e é exatamente assim que a gente consegue sentir a melodia:
ensandecida, descontrolada, com lapsos repentinos. Além de querer criar uma
identidade própria, Janelle praticamente fez com que cada uma das músicas
tivesse a sua própria marca também, ~sem deixar a peteca cair~ na hora de fazer
com que uma tivesse relação com a próxima.
Esse seu interesse por ficção científica, ainda, nos
faz lembrar até mesmo da recente entrevista dos irmãos Smiths, que têm sido
considerados “malucos” por ler sobre física quântica. Oi? Se eles seguirem o
caminho de Janelle, quem sabe não sejam os próximos a fazer um ótimo álbum com faixas
que traduzam uma história maluca de viagem no tempo, teoria da relatividade e
força gravitacional (?). Depois desse conto da androide Cindi Mayweather, já
deu pra perceber que a música acolhe muito bem esse estilo de literatura. Até
lá, fiquemos com a revolução afrofuturista de The ArchAndroid. Deixemos Janelle ganhar mais espaço e criar um
gênero do tipo Monáe-sci-fi-style ou algo assim. O que importa é que agora
temos mais uma cantora com pegada visionária que não quer cair na mesmice e
muito menos na nem tão famigerada mainstream. Não nos decepcione, Janelle. May
the odds be ever in your favor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário