16 dezembro, 2014

Janelle Monáe - The ArchAndroid (2010)





Nota: 9,0 





Fernanda Rodrigues




Janelle Monáe não é para os desavisados (e por isso eu estou aqui). Estejam preparados para passar de um gênero musical a outro (no mesmo álbum) e para se pegarem balançando a cabeça no ritmo das músicas o tempo inteiro. The ArchAndroid é a sequência do primeiro EP da moça, Metropolis: Suite I (The Chase) (2007), através dos quais ela conta a história de seu alter ego Cindi Mayweather, um androide messiânico a-la os filmes Matrix (1999) e o próprio Metropolis (1927) e que deve voltar no tempo para salvar os cidadãos de Metropolis de uma ordem secreta que quer suprimir o amor e a liberdade, a The Great Divide. Tema incomum para um, ou melhor, dois álbuns? Talvez, mas isso é apenas uma das coisas a chamar atenção em The ArchAndroid.

Para entender melhor, precisamos saber quem é Janelle Monáe: born in Kansas, ela tem uma voz fabricada em corais de igrejas (impossível não imagina-la com seu topete, de terninho, sapateando no altar de alguma igrejinha do interior cantando “Oh, happy day!”) e conviveu com pais que passavam por diversas crises familiares – sua mãe era faxineira e seu pai, dependente químico. A questão é que, ao invés de isso desanimá-la, Janelle inspirou-se muito em sua mãe e em sua avó para criar seu alter ego. Ela via nas mulheres de sua família, assim como em várias outras, a figura da mulher forte, destemida, que não se abalava frente aos desafios. Dá pra ver claramente que Cindi Mayweather veste muito bem essa capa feminista através das 18 faixas que compõem o álbum, quando tem uma responsabilidade tão grande de salvar os cidadãos de Metropolis – e, mesmo diante desse desafio, ela sabe que tem poder suficiente para tanto.

E é desse modo que Janelle se libera em The ArchAndroid: destemida, ousada e ambiciosa. A aparente “loucura” de alternar entre gêneros pode soar perigosa em um primeiro momento (e estamos falando aqui de R&B, funk, pop e art rock), mas ao longo das faixas dá pra ter certeza de que ela sabe (muito bem) o que está fazendo, tendo em vista que não parece em nenhum momento que a cantora se perdeu ou que ela está apenas brincando de inovar. Já tem gente até comparando ela com Michael Jackson, Prince e Aretha Franklin depois desse álbum, mas o que a gente vê mesmo é que ela não quer apenas reproduzir o que outros já fizeram (talvez pegar uma inspiraçãozinha daqui, uma influência dali, mas sempre sendo apenas Janelle Monáe). E, bom, não é difícil perceber que não há nada muito parecido com ela atualmente, ainda mais porque ela sempre transpassa um tom muito intimista pras letras (dá pra dizer que o que ela produz parece uma sessão de psicanálise onde cada verso é uma confissão das sinapses perturbadas do seu cérebro). Quer dizer, tudo bem, ela não é a única a fazer essas paradas de diferentes gêneros musicais, mas não é qualquer um que consegue ter uma voz que se encaixe com “qualquer coisa”. Além do mais, é impossível não sentir o que cada música quer transmitir. Janelle parece ter feito questão de fazer com que o tom de sua voz se encaixasse exatamente com o feeling de cada faixa. Em “Come Alive (The War of The Roses)”, ela canta sobre um esquizofrênico e é exatamente assim que a gente consegue sentir a melodia: ensandecida, descontrolada, com lapsos repentinos. Além de querer criar uma identidade própria, Janelle praticamente fez com que cada uma das músicas tivesse a sua própria marca também, ~sem deixar a peteca cair~ na hora de fazer com que uma tivesse relação com a próxima.

Esse seu interesse por ficção científica, ainda, nos faz lembrar até mesmo da recente entrevista dos irmãos Smiths, que têm sido considerados “malucos” por ler sobre física quântica. Oi? Se eles seguirem o caminho de Janelle, quem sabe não sejam os próximos a fazer um ótimo álbum com faixas que traduzam uma história maluca de viagem no tempo, teoria da relatividade e força gravitacional (?). Depois desse conto da androide Cindi Mayweather, já deu pra perceber que a música acolhe muito bem esse estilo de literatura. Até lá, fiquemos com a revolução afrofuturista de The ArchAndroid. Deixemos Janelle ganhar mais espaço e criar um gênero do tipo Monáe-sci-fi-style ou algo assim. O que importa é que agora temos mais uma cantora com pegada visionária que não quer cair na mesmice e muito menos na nem tão famigerada mainstream. Não nos decepcione, Janelle. May the odds be ever in your favor.

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