28 janeiro, 2015

Éfe Eme - Akrasia (2014)


Nota: Como dar nota pra uma banda local e independente?






Eduardo Kapp





Essa é uma banda formada por seres humanos que residem em Santa Maria, cidade onde também reside este blog que seu cérebro está nesse momento interpretando as palavras nele (aqui) escritas. Essa foi uma péssima introdução pra dizer que essa é uma banda local e independente. Quando estivermos falando sobre estas, não vamos dar nota alguma. "porquááá???", oras, com alguma empatia e um apoio à cena local, faz sentido arremessar uma pontuação que, digamos, "compete" com artistas muito maiores e etc? Enfim.

Voltando ao assunto, essa é uma banda formada por seres humanos que residem aqui em Santa Maria. No caso, essas pessoas lançaram um novo EP chamado "Akrasia". "Akrasia" é a coisa mais estranha que surgiu nessas terras durante esses últimos meses. Adjetivo inevitável quando se junta beats bem simples e marcadas, aesthetics, linhas altamente post-punk (herança do EP anterior), vaporwave, pop experimental e mais uma lista de influências.

Não que o conjunto todo seja um grande liquidificador de gostos musicais ou algo que o valha. Não mesmo. De forma ainda mais bizarra, todas essas características sonoras conseguiram manter uma atmosfera coerente e principalmente consistente durante o EP (que é quase um LP). Desde os hooks pop da primeira faixa "Lúsida" até a esquizofrênica "Pamcadaso".

Pode soar um tanto perturbador ouvir a voz áspera e reverberada do Marcelo, falando sobre mentiras no trabalho e mentiras em casa, vida e morte, obsessão e ilusões (sensoriais ou não), sem se importar muito com rimas ou ritmo ou qualquer coisa. De qualquer forma, é algo que eu comecei a apreciar depois de algumas vezes ouvindo.

Outro ponto latente aqui é que os arranjos, essa complexidade das músicas às vezes pode ser seu ponto alto ou pode ser a coisa mais irritante e te deixar com pesadelos à noite. Acho que isso é advindo do fato que o guru das beats no grupo ainda procura seu lugar e experimenta com muita coisa (o que é super construtivo).

De qualquer forma, essas viagens fora do lugar não parecem atrapalhar a energia e convicção dos caras tocando ao vivo. Pensa numa versão do Rado (aquele doido do Foxygen) inspirada no Ian Curtis mas que já passou dessa fase cantando num palco enquanto distribui sons por uma Strato apoiada em pedais de qualidade duvidosa. É realmente muito interessante ver essa galera ao vivo.

Ou seja, falamos aqui de um disco bastante incomum pra o que, digamos, qualquer um estaria acostumado a ouvir? Não é o céu nem nada, mas te deixa intrigado e com vontade de voltar. O que mais um artista poderia querer provocar no seu ouvinte?

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=AMvCjzk4ogE

14 janeiro, 2015

Suricato - Sol-te (2014)



Nota: 6,9






Fernanda Rodrigues




Fui atrás do álbum dos caras por causa da propaganda na televisão, confesso. E porque a música que tocou me lembrou algo parecido com um Life’s For The Living acelerado, de Passenger (acabei descobrindo depois que se tratava da música de abertura do álbum, Bom Começo). A questão é que a proposta deles é criar um folk meio abrasileirado e com tons de blues. Sol-Te é o segundo álbum da banda (que teve sua formação alterada desde o primeiro disco) e tem um certo apelo midiático, com músicas para comercializar sim, mas que ainda assim permitem sentir que eles deram o seu melhor.

Isso porque o seu interesse em fazer um bom trabalho aparece logo de cara na ajuda que eles buscaram em Christiaan Oyens, que já trabalha com a área desde o início de sua parceria com Zélia Duncan, misturando suas influências de bares americanos ouvindo Ry Cooder e Michael Hedges com o MPB da brasileira. A modelagem que ele fez na banda foi sutil, aparecendo com seu violão de colo havaiano e backing vocal, mas já serviu de alguma coisa para dar um empurrãozinho.

O apelo ao grande público acabou por ter sido um pouco inevitável, acredito eu, ou se não eles poderiam correr o risco de perder boa parte da audiência que conseguiram com a participação no Super Star, da Globo, mas a tão famosa intimidade que eles transmitem com as músicas ainda é forte. Pra se ter uma ideia de como eles apostam nessa conexão entre o novo álbum, suas melodias e o ouvinte, eles lançaram um hotsite pra que as pessoas pudessem ouvir a faixa Um Tanto com uma condição: ouvir a música sem mexer no mouse ou fazer qualquer outra coisa, a não ser se deixar levar pelo som. Se você tentar trapacear, a música para assim que o mouse insinuar mover-se, como se fosse aquela pessoa que para de falar quando percebe que a gente não está prestando atenção direito no que ela fala.

E é legal ver que a banda quer mesmo conquistar os fãs pela graça, pela brincadeira. Em entrevista ao canal do youtube Curitiba Cult, o vocalista Rodrigo Nogueira falou que o nome do grupo vem de uma coisa que provavelmente muitas pessoas já imaginavam (se porventura já conheciam): da série, No Reino dos Suricatos, do Animal Planet. A explicação é que eles gostam do modo como esses animais agem em conjunto, quase como se não houvesse hierarquia, cada um com a mesma importância (irônico, porém, que mesmo querendo se inspirar no sistema político dos suricatos, Rodrigo seja praticamente sempre o único que fala em nome da banda, mas okay, pequeno detalhe). Além disso, os caras fazem questão de manter sempre outra marca registrada: instrumentos inusitados. Foram buscar até um instrumento de sopro dos aborígenes australianos, o didjeridoo, que depois foi utilizado na faixa Inseparáveis, para fazer com que, se as pessoas não lembrassem mais o nome da banda, ao menos pudessem se referir à mesma com perguntas como “qual o nome do grupo daqueles caras mesmo? Aqueles com uns instrumentos meio bizarros, que a gente nunca viu, mas que fazem um som bom”.


O que importa é que, embora ainda esteja um pouco longe de representar a inovação (talvez nem tão longe assim, porque não tem muita banda por aí se arriscando no folk no Brasil – pelo menos não tanto como a quantidade de bandas de rock que misturam heavy metal), Sol-Te é um álbum que dá vontade de aprender algumas cifras pra tocar no luau com os amigos ou ouvir no fim da tarde olhando o pôr-do-sol. Portanto, largue o mouse, desligue o cérebro e dê uma chance. Pode até fingir que é Passenger ou The Lumineers, porque, de qualquer forma, parece que é nesse horizonte que Suricato se espelha e segue firme e forte.


04 janeiro, 2015

Homeshake - In The Shower (2014)

Nota: 8,4






Eduardo Kapp





Quando eu 'tava no show do Mac Demarco em março do ano passado (queria deixar claro que ainda não caiu a ficha que estamos em 2015), fiquei um tanto incomodado com a ~postura~  e humor do guitarrista da banda de apoio, da banda que vai em tour com o Mac. Falo de Peter Sagar, que definitivamente mudou minha opinião sobre ele depois de lançar um EP no fim de 2013, com um estilo interessantíssimo, que embora inevitavelmente semelhante ao Mac Demarco, desenvolve suas próprias características. Em razão disso tudo saiu da banda faz alguns meses.

A vibe desses sons remete exatamente ao que eles são: músicas da parte oculta do bandcamp (pra quem não sabe, esse é um site onde artistas independentes ou não colocam suas músicas "à venda"), uma terra onde a inovação e as coisas bizarras costumam acontecer. Digo, o "In The Shower" mal começa a girar e ouvimos uma voz de uma espécie de apresentador de um circo ou algo que o valha acordado além do normal devido ao uso de substâncias, nos dando as boas vindas ao seu novo record, Homeshake.

É difícil explicar o que eu senti quando ouvi "She Can't Leave Me Here Alone Tonight" pela primeira vez. Um ultra-groove-hipnótico-caleidoscópico-cansado-e-implacável. Tem aquelas jazzy-guitarras com os tons do Mac, só que arranjadas de um jeito novo e usando wah-wah. O baixo tá muito longe de só acompanhar, completando cada espaço não-preenchido e dando voltas pela sala.

O ponto que vai ficando cada vez mais claro e interessante por todo esse disco é o fato de que mesmo quem sempre esteve envolvido em joke-trashy-projects musicais, sempre fazendo música só por fazer e foda-se tudo também pode chegar no seu ponto de expressar pura decepção e enfim, algo mais "profundo". Mesmo que isso se torne um pouco chato para alguns ou pra quem tá ouvindo de novo e de novo.

A coisa - num sentido de emoção e alegria - vai realmente indo ladeira a baixo, a velocidade diminui, os tons diminuem na 100% bads "Okay". Basicamente esses sons fazem tu se sentir surfando lentamente numa onda eletromagnética de tristeza vazia. "I won't remember what's your name // Guess I don't know" !!!! Pra quem não é muito fã disso, don't worry, o ritmo sobe de novo em "Slow" (o nome é meramente ilustrativo), numa gentil balada uptempo, muito bem produzida, por sinal. 

Isso tudo sem deixar de falar dos vários momentos de psicodelia que assombram de forma muito bela algumas partes desse álbum. Vozes que saem do nada, sons de guitarra de outro mundo. A música "Heart" é praticamente só isso. Eu diria que contribuem pra imersão, que como dito antes é o ponto alto por aqui.

Enfim. Me desculpem xs senhorxs, mas as comparações são realmente inevitáveis entre os dois. Espere aqui uma espécie de Mac Demarco da época do "Rock'n roll Night Club", só que sem as partes ultra-estranhas e com mais groove.




Júpiter Maçã - Uma tarde na fruteira (2008)

nota: 8,8






Matheus Donay





Mais de década passada após o aclamado (talvez nem tanto quanto merecesse) Sétima Efervescência, Flávio Basso voltava a assinar um trabalho seu colocando acento no Júpiter. É, a volta do man à língua derivada do latim após as viagens britânicas Ingleterra afora. O álbum foi lançado primeiramente na Espanha, em 2007 e com um 'bônus' que eram músicas extraídas de discos anteriores e até uma capa diferente. No Brasil, chegou em 2008 e com a 'escalação original'.

A primeira vista e superficialmente falando, o álbum não soava tão genial quanto o primeiro. Nem tão psicodélico, nem tão rock'n roll, nem tão enérgico. Pois bem, superficialmente falando meeeesmo. Bastariam algumas audições mais pretensiosas para ver Júpiter se reinventando e sim, usando muitos dos recursos que lhe consagraram no underground do rock nacional nos anos 90.

Uma montanha-russa é a vida desse cara. Entre altos e baixo, bads e retornos por cima, Uma tarde na fruteira chegava no Brasil como (mais um) trabalho bem sucedido artisticamente. E que volta meus caros. Logo nos primeiros segundos da primeira faixa, aka A Marchinha Psicótica de Dr. Soup, um mergulho numa mistura carnavalesca à bossa nova-psicodélica. CREDO. Júpiter reverencia na marchinha várias das suas influências como aqueles carinhas lá da geração beat, Dylan e Allen Ginsberg, ou então o viajão-mor Aldous Huxley.

Fica difícil apontar qual o álbum com mais cara de brasilzão desse cara. Uma Tarde na Fruteira é um apanhado de tudo que ele construiu em sua carreira solo, resumidamente. Psicodélico, delicado, orgânico e ainda por cima com uma pecha de cult, vide fotos, clipes e letras de quem sabe muito de tudo e um pouco. Bossinhas praianas, sintetizadores sem escrúpulos, sopros... digamos que não chamar de eclético seria um erro.

O disco recorre muito às referências do cara, como já citado na Marchinha Psicótica. Não só nela, como em diversas outras faixas, como por exemplo o ode anárquico a Porto Alegre em Casa de Mamãe, ou na música dedicada exclusivamente a George Harrison em Beatle George. Não por isso, há ainda uma espécie de auto-homenagem quando em Tema de Júpiter Maçã rola um revival de várias fases da vida do cara. "Lugares do caralho e gente afudê, paixões em Liverpool..."

Como dizia no início do texto, não tão explicitamente mas ainda assim os recursos que deram visibilidade ao Júpiter voltam à tona. Poeticamente mais sofisticada desta vez, a sexualidade xula é substituída quando "de joelhos em minhas preces estimulando risadinhas em mademoiselle". Mademoiselle Marchand e Little Raver são a cara da nova abordagem.

"O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa." Galeano parecia estar pensando no Júpiter quando escreveu a frase. Ora, ela resume bem o que é esse cara e até mesmo especificamente esse disco. Não há o que se esperar quando se pode esperar tudo dele. Sempre imprevisível, renovador e autêntico.

Enfim, álbum muito importante na carreira do Júpiter. Voltou a gravar em português, esbanjou maturidade, conquistou uma geração de admiradores novos no Brasil e deu gás na carreira tão turbulenta dele. Ah, e se der saudade da Sétima Efervescência por causa daquela enxurrada de músicas pra dançar, nem esquenta. Bota pra tocar Síndrome de Pânico ou A Menina Super Brasil no volume máximo que a farra é certa.