29 março, 2015

Inmigrantes @Macondo Lugar

Na última sexta os Inmigrantes, desde Avellaneda en Argentina, vieram pela segunda vez pro Brasil.

Foto: Amanda Tâmara
Ao que me parecia, o show era bem esperado pelo público. Algo justificado por diversos fatores como: um show de rock, uma banda internacional e, diga-se de passagem, com certo reconhecimento local. O que se oferecia aos argentinos? Uma casa lotada e aparentemente com um público que conhecia algo a mais do que o single que “aquela rádio” toca há alguns vários anos, vulgo Grafitti. Desde 2007 os caras tinham um álbum nas costas, com altos e baixos, canções enérgicas e outras maomenos. Recentemente lançaram um EP, Vaca Pop. E foi do primeiro álbum, explicitamente, que saiu a empolgação de quem acompanhava o show.

Os irmãos Carlos e Pablo formavam a linha de frente no palco, ambos guitarristas. Seguidos por baixo e bateria numa formação 2-1-1. Bom, falando do show em si... Babilônia foi a primeira do set. Uma boa escolha visto que é uma das melhores deles. Parece que a banda tinha plena noção de quais eram as músicas que mais agitavam e eram mais apreciadas em geral. Deixaram as mais requisitadas espalhadas pelo set. Babilônia no início, Grafitti no meio e Una Chica de Ayer para o final. De longe as mais pedidas. Guelpe de Suerte e Turistas também tinham boa aceitação de público, foram cantadas a plenos pulmões por quem se fazia perto do palco.

Entre um som e outro rolava um tímido e ligeiro “buena noche”, “gracias” ou “somos inmigrantes desde argentina” e ficava por isso mesmo. A galera tava animada, esperava uma reciprocidade maior dos caras. Talvez um pouco mais de interatividade ao invés do ~apresentar o trabalho, agradecer e dar a palheta pro fã mais mala que estivesse pedindo~. E foi exatamente o que aconteceu.

Foto: Gabriel Foresti
O que ficou devendo muito foi o volume dos instrumentos. Volume de deixar o ouvido com aquele zumbido gritando na hora de ir dormir. As guitarras distorciam de tanto barulho, havia de se fazer algum esforço pra discernir os sons. Não sei se foi o ambiente, coisa dos caras mesmo ou alguma falha técnica de quem cuida do som. Uma pena, porque tem músicas com guitarras bem trabalhadas e riffs interessantes que perderam a qualidade. Sem falar na voz, que só quem tinha conhecimento prévio de letra entendia algo.

No final das contas foi um bom show, não foi longo, acertaram no set, tocaram o que o público queria ouvir. Poderia ter sido melhor, talvez sim, mas deu pra saciar a vontade de conhecer uma banda de rock argentina ao vivo e de ver a galera empolgada com as canções.

Saludos desde Brazil.
Matheus Donay


23 março, 2015

Kendrick Lamar - To Pimp A Butterfly (2015)

Nota: 9,7







Eduardo Kapp




Aviso: esse texto foi escrito por mim, branco. Não falo pelas pessoas não-brancas, não pretendo interpretar muita coisa no lado político do álbum porque não quero correr o risco de falar merda. Se o fizer, me avise.

"By the time you hear the next "pop", the funk shall be within you"

O que temos aqui, antes de ser um disco, música pra se apreciar (ou não), é arte na sua forma mais intensa: subversiva (tanto do convencional quanto da própria subversão). Pra tentar introduzir isso um pouquinho melhor, uso aqui a pergunta que o próprio Kendrick deixa pro ouvinte pelo final do disco: "When shit hit the fan is you still a fan?".

Diferentemente dos seus álbuns anteriores (em especial o good kid, m.A.A.D. city), esse é um disco quase que objetivamente político, totalmente sobre a resistência, vivência, noções e questionamentos das pessoas negras, pobres, excluídas. Digo, no gkmc temos essa quase autobiografia do Kendrick, que embora foque na política, é um tanto mais teatral, específica e prática.

Em "To Pimp A Butterfly", somos tomados pela confusão, raiva, tristeza, ironia, convicção e até um pouco de relativismo. Isso é um clássico do Kendrick, tem muita contradição, questionamentos e um pouco de impulsividade. Produzido pelo próprio Dre (que aparece durante o álbum), com colaborações e participação de nomes como Flying Lotus, Tae Beast e Terrace Martin (entre outros, esse disco é quase que colaborativo), temos aqui não só um impacto lírico absurdo, como um lado musical surpreendente. Como se não bastasse a combinação (que anda em alta agora) de Free Jazz e Hip Hop experimental, tem umas quebras de estrutura, umas inserções sonoras durante as música que mesmo "quebrando", mantém o ~~flow~~ dos sons. Digo, não precisa fazer quase nenhum esforço pra ouvir.

É como se tivesse uma banda de apoio fantasma com os nomes clássicos do avant-garde jazz, apresentada de uma maneira não-amigável para as rádios. "For Free? (Interlude)", que além de esmagar nossas mentes com dezenas de versos sobre uma vida caótica de pobreza, problemas de relacionamento e famílias "corrompidas"; nos dá a expressão máxima da parte Jazz dessa jornada.

Mas isso ainda seria superficial pra descrever o que acontece por aqui. Tem essa narrativa muito sutil durante o álbum, onde mesmo parecendo que cada música vai pra uma direção diferente, tem algumas linhas em comum entre elas, como se fossem pequenas histórias acontecendo no mesmo contexto. Kendrick fala sobre uma "Lucy", que seria a fonte de todos os problemas dele, talvez algo pra ter como "alvo", como se livrando-se dela tudo fosse acabar,  o que realmente importa é que "u"  baixa a guarda de Kendrick, que discute consigo mesmo, entre linhas de funk, com uma vibe mais sombria, "I fuckin hate you // I hope you embrace it" "Lovin you is complicated" "Lovin you // Not lovin you".

É bizarro como essa confusão toda soa incrivelmente bem nessa atmosfera groovy, te deixando no limite surreal, preso por um fio, até que outro chute lírico te lembre da realidade. Por sinal, o "chute" mais forte e agressivo por aqui certamente é "The Blacker the Berry". Um desabafo impaciente e impiedoso, sem tempo pra "entendimentos", Kendrick vai direto ao ponto: "You sabotage my community, you made me a killer" "You hate my people[..]".

A essa altura, é difícil decidir o que exatamente se está sentindo. É tanta coisa acontecendo em todos os lados desse disco. Tem esse poema falado que assombra o fundo das músicas durante o álbum, ele aparentemente reúne todas as temáticas apresentadas e é revelado por inteiro só no fim do álbum. Divaga sobre a juventude que luta e sobre como é difícil resistir a medida que se fica mais velho. Divaga sobre o futuro da resistência, uma possível revolução, ou se, simplesmente, "vai dar tudo certo no final". Se o caminho é lutar ou refletir, ou os dois. Kendrick questiona suas próprias verdades, percebendo o quanto aprendeu e principalmente o quanto o contexto, a esfera de sua luta é muito maior do que possa compreender. "Você só revida quando eles te colocam na parede?". Os fãs do Lamar vão abraçar essa luta? 
"When shit hit the fan is you still a fan?".

Esse disco é sensacional. Uma experiência (perdoe o clichê) sonora sem precedentes. Intenso e muito bem montado, talvez o álbum de rap definitivo dos últimos anos.

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=P2oVWZyyaxs

22 março, 2015

Aláfia - Aláfia (2013)




Nota: 8,0






Fernanda Rodrigues



E os olhares violento
É do eterno o rebento
Arrebenta, Aláfia!

É assim que termina uma das músicas do álbum autointitulado da banda Aláfia, formada por uma loucura de ritmos misturados desde o início: jazz, hip hop, rap, funk e até mesmo capoeira estão presentes e se revezando o tempo todo a cada música que passa. De início, dá vontade de carimbar a banda como mais uma do afrobeat, mas muito provavelmente isso seria reduzir tudo aquilo que eles querem representar.

Pra começar, Aláfia é formada por dez componentes (!?) e todos participam ativamente na construção do disco, o que explica a grande variedade de influências que surgem a todo momento. Eles uniram os batuques do candomblé, o swing da capoeira, cuíca com baixo elétrico e o jazz presente no afrobeat de Fela Kuti para a criação de músicas de forte cunho social, que trazem à tona o preconceito e a discriminação para com as minorias. Além disso, Aláfia também buscou trabalhar com elementos africanos, apesar de não acreditar naquela África idealizada, à qual todos os negros pertenceriam, mas que, na verdade, só existe na teoria (como eles fazem referência em "Mulher da Costa"). 

E é aí que eles ganham mais um ponto, creio eu: nessa brincadeira de fugir do idealismo da Mãe África, eles acabam criando uma nova referência pro negro brasileiro, aquele que nasceu aqui, tem descendência de escravos e sofre com o preconceito que já atravessa os séculos. Assim como a banda ainda não tem um ritmo definido, explícito, mas de tudo um pouco, assim é o negro brasileiro: um pouco de colonização, um pouco de matrizes africanas, um pouco de luta diária para superar as barreiras invisíveis. Não existe uma faceta só para esse negro, mas várias, e talvez ele consigo encontrar algumas em Aláfia.

"Em Punga" é uma das faixas mais marcantes do disco, provavelmente a que mais tem raízes do afrobeat dentro de si e que reserva até mesmo um verso para um ilustríssimo político: "O tempo de punga dá sempre no horário // Gira ao contrário o ponteiro // E o atrasa lado separa // Um pedaço do seu dinheiro pro bolso do Bolsonaro". Uma homenagem simples, singela, só para não deixar passar.

Enquanto isso, "Dono da Minha Cabeça" é a música que mais se aproxima das religiões africanas logo no início, com palavras que até agora eu não consegui descobrir o que significam (fica aí o pedido de ajuda lançado) e "Ela É Favela" como a música mais envolvente da obra, a que nos deixa a dúvida de: o autor está falando de uma mina da favela ou sobre a própria favela? Não sei se foi a intenção, mas a descrição dos versos permitiram uma ambiguidade no mínimo interessante. Pra sanar a dúvida, fui atrás de algumas opiniões sobre o álbum e por acaso achei uma entrevista em que eles falam sobre essa faixa (confira aqui) e contam que, no fundo, a música é sobre uma mulher da favela mesmo (romance de um dos integrantes). Vale constar que "Ela É Favela" contou com a participação da Lurdez da Luz, uma MC e rapper paulistana parceira de Rodrigo Brandão na banda Mamelo Sound System.

E por falar em participação, eu gostaria muito de ver como teria ficado "Kwa Lé Ki Pá" (algumas vezes a própria banda troca o nome para "Baile Black") com alguns versos na voz do Marcelo D2, assim como "Homem Que Virou Música" com uma Vanessa da Mata ou Marisa Monte. Parece meio nada a ver querer misturar essas últimas duas cantoras com um álbum que tem um quê de afrobeat, mas é pra ver como Aláfia é muito maleável, permitindo que até o MPB possa fazer interferências em suas músicas.

Bom, no fim acho que se pode dizer que é um álbum extremamente experimental. Eles jogaram tudo que eles gostavam em uma panela e dá pra dizer que o resultado ficou bom. Se vocês já gostaram de Criolo, Bexiga 70 e até mesmo Tim Maia, muito provavelmente Aláfia vai contenta-lxs tanto quanto.


OBS.: significado de Aláfia - é uma palavra de confirmação e plenitude, que significa "caminhos abertos" ou "vai dar certo".

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=rhNkLTlSY1I&list=PL8EaHn_WNh-3e8QDQ7925cZDf5yoA-ksy



12 março, 2015

Graforreia Xilarmônica - Coisa de Louco II (1995)









Matheus Donay




Segundo os dicionários virtuais web a fora,

Graforreianecessidade exagerada e doentia de escrever / XilarmônicoInstrumento músico, semelhante ao eufônio, espécie de marimbas, com lâminas de madeira.

O que esperar de um grupo que, segundo a mitologia de internet, chutou duas palavras em páginas aleatórias de dicionário para formar nome de banda?

Tudo e nada - ao mesmo tempo.

O nome 'Coisa de Louco II' indicaria, obviamente, que trata-se do segundo disco da banda. E aí já se nota um pouco dos descompromissos da Graforreia com  padrões, Coisa de Louco II é o primeiro álbum. Ok, ok, a banda havia lançado em 88 a tape Com Amor, Muito Carinho que trazia várias canções que seriam lançadas posteriormente, mas com uma qualidade horrível na gravação, cheia de barulhos e ruídos e desafinações, ainda que eu acredite que foi de propósito. 

Todas composições são do Frank Jorge (ex-cascavelletes) e muitas delas em parceria com Marcelo Birk, e de longe é o ponto mais peculiar da Graforreia como banda e especialmente nesse álbum são as letras. Uma mão dupla de "humorização das coisas sérias" e "seriedade das coisas humoradas". Pra tirar a prova real vale dar uma olhada nas canções Literatura Brasileira, Patê e Rancho. Letras bizarras de situações cotidianas como ~crianças indo pra aula contrariadas pois queriam ver desenhos animados~ quem nunca?

O álbum se difundiu razoavelmente, clipes chegaram em mídias importantes como a MTV, a música Nunca Diga ganhou interpretações de grupos de renome nacional como Pato Fu e Los Hermanos, e ainda traz consigo a música -até hoje popular and why not um dos maiores clássico do RS- Amigo Punk. Porém, né, é bem provável que um disco com DEZOITO músicas se deixe escapar muita coisa. Curiosidade é que só 3 músicas passam dos 3 minutos. 

Jovem-guardista, a Graforreia se mostrava uma banda que independente de idade mantinha-se jovem. Nas letras, nos arranjos, nos chucrismo e na irreverência. Nos acordes, isso se mostra como algo que me instiga: será que os caras anarquizaram a coisa pelo espírito do "que se danem os padrões músicais" ou pela formação musical deles. No caso, guitarras que soam meio ~enferrujadas~ e até desafinadas. Um contraste harmonioso ou desarmonioso de instrumentos, aí cabe a você que está ouvindo julgar. A mim cabe dizer que as linhas de baixo são demais, independentes, não se preocupam em fazer marcação e cantam alto, sem falar da complexidade.

Coisa de Louco II certamente não é um álbum simpático a qualquer ouvido. Mas pra quem ousa tentar entender a coisa toda, entrar no clima dos caras e se deixar levar, é forte a chance da apreciação. Hilário, debochado e quase que um apanhado de crônicas, coisa de louco!

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=2rNIdasmM9w