12 junho, 2015

American Football - American Football (1999)









Michel Peixoto



But that's life, so social..

O American Football com certeza é uma das bandas mais influentes do emo (e com menor vida também), mas pra falar disso, é necessário voltar um pouco no tempo. Pra começo de história, Mike Kinsella, vocalista e guitarrista da banda, é uma das mais importantes figuras da chamada "segunda geração" do emo. No fim da década de oitenta, ele e seu irmão Tim Kinsella, influenciados por bandas como Rites Of Spring, Embrace e algumas características de outros estilos musicais como o jazz, formaram o Cap'n Jazz. A banda gravou alguns singles, um ep e um álbum antes de seu fim e depois cada integrante criou seu próprio projeto, sendo o de Mike Kinsella o American Football. O Cap'n Jazz, por ter dado vida a muitas outras bandas e a tantas diferenças sonoras que passaram a existir dentro da cena, tem um papel tão importante quanto ao que caras como Ian MacKaye e Guy Picciotto tiveram no começo de tudo.

Relacionamentos frustrados, incertezas, despedidas e reflexões em atitudes pessoais são o prato principal das letras do disco. Verdade seja dita, Mike Kinsella é um contador de histórias, isso é notável tanto no seu trabalho com o American Football quanto no seu projeto solo, o Owen, onde suas letras aparecem sempre com muitas histórias/experiências pessoais e citações de seus autores e obras literárias favoritas.

O álbum começa já com a polirrítimica "Never Meant", que além de ser a música mais marcante da banda, é um ótimo jeito de começar, pois é capaz de mostrar o que vamos encontrar durante o resto do álbum: dinâmicas, afinações nada convencionais, o timbre de voz agudo que o Mike Kinsella tinha na época com seus vinte e dois anos e todas as ambientações/atmosferas e situações que esse álbum é capaz de te colocar.

"I'm thinking about...leaving" é o primeiro verso de "The Summer Ends", uma das músicas mais tristes deste álbum, onde desde a primeira nota da guitarra até o último verso te ambientam em um cenário de despedida. Ao ouvir essa música pela primeira vez, achei os versos bem bobos e simples. Só se tornou impactante de verdade depois de escutar mais algumas vezes e ver que cada elemento presente (as guitarras que ficam indo e vindo em algumas partes, os versos e até mesmo o trompete da introdução) de alguma maneira me ambienta na situação da música.

"Honestly" é uma das minhas favoritas do disco e já entra com um riff marcante que se estende durante a primeira parte da música. Na segunda parte, a banda faz uma progressão instrumental em cima de uma variação do acorde aberto da afinação e ao longo dela, mais guitarras vão aparecendo e se somando a bateria que vai acompanhando e fazendo algumas mudanças até o final onde aos poucos todos os instrumentos vão se despedindo em um fade out.

Depois vem "For Sure", que logo de cara, tem um trompete que se junta ao baixo e faz com que a música navegue dentro da sua tonalidade enquanto a guitarra faz algumas variações do riff principal até o final. É uma das mais curtas e diretas do disco. "You Know I Should Be Leaving Soon" pra mim sempre vai ser uma música estranha, interessante, e ao mesmo tempo de transição. Por algum motivo que eu nunca vou entender, essa música me deixa um pouco apreensivo, com dúvida sobre alguma coisa que esteja acontecendo ou que vai acontecer. A bateria com a levada jazz é o ponto forte da música, que muda um pouco dali e quebra um pouco de acolá. Se fosse pra dividir este disco em duas partes, seria depois dessa música, é a partir do final dela que as coisas se agitam um pouco.

"But The Regrets Are Killing Me" é um pouco diferente das demais do disco por não ter partes com tanta progressão e uma maior variedade dentro de sua estrutura devido ao seu instrumental mudar constantemente. Um exemplo disso são as guitarras que mudam pelo menos três vezes na música, sempre trazendo uma nova linha/passagem ou riff. Assim como "For Sure", também é uma música direta, mas com um instrumental muito mais técnico. Fazendo uma comparação, essa música me remete muito ao som que o This Town Needs Guns(ou TTNG, como quiserem) faria um bom tempo depois.

O que mais me chama atenção em "I'll See You When We're Not Both So Emotional" é a presença maior do baixo na mix (o que não tinha acontecido até então) e este fazendo junto da bateria um groove até mesmo dançante (depois deste turbilhão de frustração, solidão e despedidas, ainda da pra dançar?). Outro ponto interessante é a bateria, onde a influência jazz é ainda mais nítida e traz quiçá as levadas mais complicadas do disco inteiro.

Música mais longa do disco, "Stay Home" traz no título um ótimo conselho, não? A entrada das guitarras, preenchendo os espaços deixados por uma ou por outra, a "abertura" da bateria, onde no começo é possível somente ouvir um som seco e oco na mix que depois vai se tornando mais claro junto com o baixo. Aliado a tudo isso, aparecem versos curtos, mas que são suficientes pra te fazer refletir bastante sobre o que o título diz.

Acho que "The One With The Wurlitzer" é um final justo para o disco, já que nela aparecem todas as características apresentadas anteriormente em outras faixas. A música começa com um fade in trazendo primeiramente o wurlitzer em um tema principal e depois a presença da bateria, baixo, guitarras e um trompete na mix. À medida que a música anda, o wurlitzer segue seu tema, as guitarras se juntam aos poucos e a bateria leva tudo isso com o baixo, criando um clima de despedida e faz parecer que tem alguém te dizendo um “tchau, até breve” com um sorriso no rosto.

Onde escutar: https://www.youtube.com/watch?v=MqRNSwXQUwA aqui tem o re-lançamento do álbum em versão deluxe que a polyvinyl records fez ano passado que além das músicas originais, essa versão traz gravações velhas de ensaios da banda e uma música inédita, "The 7's".

Caso alguém ficou em curioso/curiosa sobre as outras bandas que surgiram após o fim do Cap'n Jazz, deixo aqui algumas recomendações.


11 junho, 2015

Psychic TV - A Pagan Day (1984)

Nota: 7,3






Eduardo Kapp




Pra um grupo que era basicamente pedaços que restaram da formação do Throbbing Gristle, eles conseguiram influenciar muita gente e inovar afu, considerando a época e tudo. Digo, não é todo dia que tu cruza por um trabalho de early-industrial-early-70's. Esses caras são um bocado complexos, a banda teve várias fases e várias lideranças e etc etc.

Pulando pra parte interessante: esse é um dos discos da fase inicial, onde o mastermind ainda era o Alex Fergusson. Um músico bastante underground, tocava tanto nesses grupos de acid house experimental quanto em coisas mais punk e tudo. Ele e o famigerado Genesis P-Orridge montaram e gravaram todo o álbum, praticamente. Tudo meio de garagem, num mero 4-track.

Foram feitas apenas 999 cópias da distribuição original do álbum. Tem uns tarados colecionadores que pagam alto simplesmente pela capa da edição original (o re-release tem uma outra capa). Definitivamente, é um lance muito mistério/nonsense que se formou em volta dessa banda e especificamente desse disco.

Embora hoje em dia tu escute isso e consiga fazer algumas relações ou comparações, imagino que na época tenha sido algo completamente único. As composições soam como uma mistura de alguém praticando as primeiras lições de um instrumento qualquer enquanto uma bateria eletrônica se adapta a mesma e alguém mais entendido vai fazendo a coisa efervescer.

"Cadaques" é exatamente isso. O fato é que mesmo sendo muito estranho de primeira, é aquela coisa que te deixa interessado. E do nada tu se vê num daqueles morros estilo o finalzinho do filme "Harold and Maude", numa tarde de terça, provavelmente reconhecendo a voz de alguém que tu não conhece passando por perto. Ao menos essa é a vibe de "We kiss", "Cold Steel". Soa como a Nico no "Chelsea Girl", só que mais lo-fi, eletrônico e dessa vez realmente afim de cantar.

Bastante coisa ambiente, intimidadora (eu ia falar agressiva-passiva mas eu não suporto essa expressão) e tudo. É aquela coisa que se tu conseguiu chegar numa zona de conforto ouvindo é porque tu caiu na nóia que eles tão propondo. Tem que se deixar levar.

O problema mora aí mesmo: se tu não conseguir se deixar levar. Começa a ficar um bocado irritante, dependendo do contexto que tu se coloca pra ouvir. Aí sim, eles parecem um bando de cretinos fazendo barulho. Acho que isso é a coisa mais interessante em artistas fora do eixo/padrões que nossos ouvidos tão acostumados, tu fica realmente intimidado com o negócio. É como tentar entender uma conversa entre estrangeiros (que tu não conhece a língua, obviamente).

Essa coisa é simplesmente um clássico da banda, que é uma baita influência pra cena early-industrial e eletrônica da época. É essencial.

Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=4id3GVWPYFE (não tem o álbum inteiro online :/)

06 junho, 2015

Apanhador Só @Theatro 13 de Maio


Se tem um coisa que acredito que dispense uma prévia discussão é que o (ou a, como preferir) Apanhador Só lançou em 2013 um baita disco, no caso, o "Antes que tu conte outra". Pois bem, a última aparição da banda por Santa Maria havia sido 3 anos atrás, na rua, em formato diferente do show plugado e com formação diferente. No Theatro, dividiam o espaço os 3 membros fixos e 2 "músicos de apoio", se é que se chama assim. Enfim... a espera pelo show era visivelmente grande. Até mesmo o Alexandre brincou: "estamos fazendo show de lançamento no encerramento da turnê (rsrs)".

Aos gritos e prantos de ansiedade, a casa lotada viu as cortinas se abrirem aos ruídos de Mordido, seguido de um bloco de canções do AQTCO. Curiosamente, o show parecia divido em blocos, quando surgiram alguns clássicos em sequência do primeiro álbum. Peixeiro, Prédio, etc. E aí depois tudo virou uma grande festa onde já não se havia mais critério entre álbuns e até o ep Paraquedas teve espaço com a música homônima e Salão de Festas. Em meio a uma reciprocidade muito avante, me chamou atenção as versões modificadas de algumas músicas pro show ao vivo, como variações de riffs e solos acrescidos, rolou isso com Maria Augusta e algumas outras das quais não me lembro o nome agora. 

Se a logística de um teatro já permite uma certa proximidade entra o artista e o expectador, a coisa toda se vale mais ainda quando os caras desplugam todos os intrumentos pra sentar à beira do palco pra cantar Na Ponta do Pés, uma legítima quebra de protocolo que pode ser conferida neste vídeo. Mas o grande catarse da noite e que pra mim tem sido um diferencial da Apanhador pra qualquer outra banda é a ideia de que o fã também é parte da banda. Foi quando se pediu voluntários pra subir no palco pra grande anarquia que estava por vir em Nado. Latifúndios de alegria nos rostos que ali seguravam entre outras coisas, panelas, colheres, brinquedinhos e o escambau. Quem ficou sentado ainda era intimado pra fazer barulho com o que tivesse em mãos, e dalí saíam trovões de molhos de chaves. Cacarejadas sem limites, situação periclitante, um semi-caos instituído.

Que todos mereciam uma acústica como a do Theatro isso nem se discute. O grande x da questão é que uma hora as cadeiras pareciam ter formigueiros, o que fez com que todos se levantassem em Maria Augusta, já na reta final. Maria Augusta e Nescafé foram tocadas a pedidos, que eu me lembre. Satisfação garantida após cerca de 1h20min de show e pedidos atendidos, a banda se despede esperando o bis, que não foi pedido dadas as circunstâncias já citadas, imagino eu. Volta o Fernão das cortinas e sopra um "galera, peçam mais uma". Aos gritos de "mais um" voltam os guris pra tocar Vila do Meio-dia e terminar o show.

foto: Luciéli Raminelli
Musicalmente o negócio saiu como se esperava. O que de algum modo me surpreendeu foi a energia que a banda estava, ainda levando em conta que os caras tinham instrumentos roubados horas antes do show. Harmonia pura, e detalhe: o baterista (que agora me foge o nome) exalava oceanos de simpatia ao tocar quase que todas as músicas sorrindo e dançando. Até mesmo as canções mais sombrias e sérias do AQTCO tinham brechas de felicidade. Eu que esperava caras fechadas como vi em muitos vídeos de apresentações da turnê. O próprio clipe de Mordido não me deixa mentir.

E foi isso. Após o recado de "nos encontrem na banquinha ali depois pra trocar uma ideia" a banda se despediu prometendo voltar num futuro não muito longe com a turnê Na Sala de Estar. Sem muita delonga: show que fez valer a pena perder a rodada do futebol de quarta à noite.

Matheus Donay