31 agosto, 2015

FKA Twigs - M3LL155X (2015)



Nota: 9,1






Fernanda Rodrigues






Sabe aqueles artistas que vão criando nome discretamente? Tu já ouviu o nome deles uma vez, no passado, aí escuta outra vez aqui e ali, vê como sugestão nos recomendados do Last.fm e quando vê PLAU o cara já se tornou uma das novas apostas do cenário musical do ano. Eu me sinto exatamente assim em relação a FKA Twigs. 

Nesse mês, quase exatamente um ano depois do lançamento de seu disco LP1, Twigs já aparece de novo com novidade, mas dessa vez com um EP curtinho de cinco faixas, M3LL155X (lê-se “Melissa”). É nada mais nada menos que mais uma de suas misturas de R&B com eletrônica e tri hop, vozes sussurrantes e feminismo (ainda que seja interessante observar como a voz dela se impõe melhor nesse álbum do que no anterior).

Desde LP1, twigs já deixou bem claro pra todo mundo que não tinha problemas em apresentar temas como sexualidade em suas músicas (aliás, já é uma espécie de característica marcada, querendo ou não). “Two Weeks”, em 2014, já havia traduzido isso muito bem com trechos como “Smoke on your skin to get those pretty eyes rolling/ My thighs are apart for when you're ready to breathe in/ Suck me up, I'm healing for the shit you're dealing”. Apesar de estarmos em pleno século XXI, vale lembrar que falar sobre sexo, especialmente entre mulheres, ainda é um certo tabu (cantar então, ainda mais quando não é através do hip hop ou rap, como faz a Nicki Minaj ou, na maioria das vezes, os homens, é ultrajante). Por isso que twigs é um grande expoente do feminismo musical.

Em M3LL155X, “I’m your doll” é a faixa feminista da vez, tratando tanto do abuso como da objetificação do corpo da mulher, com um vídeo mostrando justamente twigs como uma boneca inflável e com um homem representando o amante agressivo. Apenas o fato de ela já retratar esse tipo de situação em uma música é tipo “ei pessoal, ok. Objetificação feminina existe, certo? Precisamos falar sobre isso sem medo”. É uma das músicas que, junto com “In Time”, tem mais apelo pra um mainstream comercial também, embora FKA Twigs ainda seja uma artista pouco tocada e conhecida na grande mídia.

Além disso, é importante considerar que M3LL155X contou com uma produção em parceria com BOOTS, o mesmo cara que produziu o último álbum autointitulado da Beyoncé. Até dá pra ver nesse EP da twigs algumas semelhanças com “Flawless” e “7/11”, mas nada (absolutamente nada) que a tenha transformado em uma mais uma cópia barata de mais uma diva do pop. Assim como Azealia Banks e Janelle Monáe, twigs tem criado um espaço único pra ela dentro da música. Pra falar a verdade, ela até mesmo tem um pouco da pegada sci-fi que a gente já viu em Monáe (dá uma lida na resenha de The ArchAndroid aqui), mas twigs não perde sua originalidade porque se diferencia com batidas desconexas e quebradas na maioria das músicas, com um ritmo que acelera e diminui a velocidade na mesma proporção quando menos se espera. Acredito que justamente por ser um pop não óbvio e instrospectivo, twigs tenha permanecido (e resistido) por tanto tempo fora do mainstream.

Seja como for, Tahliah Bebrett Barnett, Forerly Know As Twigs (ela teve que adotar esse nome por causa do outro Twigs que já existe na música), através de M3LL155X, deu um tapa na cara da sociedade que ainda a reconhece apenas como a >>namorada do Robert Pattinson<<. Ela não vai ser mais uma mulher que se limita a viver à sombra do cara que anda com ela, twigs é bem mais que isso, o que já deixou bem claro com a personagem Melissa que criou para o álbum. Como ela demonstrou no vídeo contínuo ( praticamente um curta-metragem de pouco mais de 16 minutos com quatro das cinco músicas do álbum) com "In Time" seguida de "Glass and Patron", quando aparece grávida e "dá à luz" a tintas e panos coloridos, twigs é dona da própria criatividade e libertação, sem precisar do empurrãozinho de ninguém pra atingir o sucesso. Ela representa a independência e o esforço que, através das suas músicas, também quer ver nas mulheres que a acompanham.



Onde ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=bYU3j-22360

30 agosto, 2015

Beach House - Depression Cherry (2015)

Nota: 6,0







Eduardo Kapp




"Fall back into place"

Porque será que o disco vazou tão cedo? Aliás, porque demorou tanto pra lançar? 3 anos depois do aclamado "Bloom", a dupla eco-reverberada finalmente aparece com um novo álbum. Beach House, pra quem não sabe, é um dos primeiros nomes que surgem no imaginário popular quando se pensa em dream pop atual. Simples, melódico, flutuante e sempre imersivo é o som deles, desde o início, praticamente.

Digo, teve o "Teen Dream" lo-fi e tudo, depois o "Devotion" já foi mais adiante e era mais uma experiência de vida do que qualquer outra coisa. Basicamente, eles (Victoria Legrand e Alex Scally) encontraram um campo de som perfeito (pra eles), sempre naqueles tons dreamy e tudo. Tá, foi genial no início, mas foram poucos os momentos que tentaram sair dessa zona de conforto. O "Bloom" só deu certo por isso: inovaram.

Mas aqui não. Muito pelo contrário. Se tu pedir pra alguém descrever genericamente o som deles os adjetivos vão com toda certeza combinar com o som desse disco. Até nas entrevistas a banda diz que resolveu ficar de boas e só fazer o que fazem normalmente e isso já era o bastante. Bom, o som genérico deles é legal, mas até que ponto isso te mantém ligado pelos seus 40 minutos de duração?

"Sparks" é tão boa, tão genial, tão intensa. Eu só consigo pensar nessa música quando penso nesse álbum. É tipo, Sparks e o resto. Todas as outras são lado-B se comparadas. Foi o primeiro e obviamente o single que lidera a promoção do disco. Combina não só os clássicos sons deles como uma pegada bem shoegaze. Algo como Slowdive meets Cocteau Twins. Definitivamente uma das melhores coisas que eles fizeram até então. Pulsante, bem produzida, tudo no lugar. As coisas vão acontecendo e aí fica tudo escuro e tu não sabe onde tá. Como uma faísca, só que ao contrário.

Não dá pra deixar de falar de "Space Song" ou "Levitation", que por um belo acaso estão logo antes e logo depois de "Sparks". Também algumas das melhores coisas que a banda fez em tempos. Lembra bastante o Teen Dream, na real. Ao menos, ficam na cabeça, são interessantes e tudo. Eis o grande problema: além desses sons, não lembro de nada do resto.

Longe de ser ruim ou algo assim, só que é completamente descartável. Tu fica perdido e se perguntando se a próxima música vai ser melhor. Mais um disco em vão. Não sei ao certo, mas pelo título acho que todo mundo esperava mais. Prefiro pensar no "Depression Cherry" como 3 grandes singles e alguns lado-B bons(inhos), afinal é isso que me faz querer ouvir outra vez.

Thiago Ramil - Leve Embora (2015)

Matheus Donay












Não sabia que Thiago, da árvore genealógica mais musical do Brasil (família Ramil), lançaria um álbum até ver pelas webs um link com o seu primeiro single. Esperei o álbum com um pouco de ansiedade, apesar de desconhecer a carreira dele. Um sentido instintivo até.

Desde a gestação do disco, fantasiei como este poderia ser. Sei lá, um caderninho de inquietações e/ou pensamentos aleatórios do compositor, gosto de intimismo quando não se torna ego. Quando isso rola, parece que se a gente largar o disco físico numa balança ela mal vai reagir, tamanha leveza. Algo que você sente em todos detalhes: a lomografia da capa, o nome das músicas, o encarte, enfim.

Leve também, a voz de Thiago me passa uma mistura de maturidade/juventude.Voz: um instrumento muito importante neste disco, que deixa vácuos em alguns momentos e mira todos feixes de luz pra salientar somente a ela. O single Desculpa foi a primeira demonstração, onde apenas alguns ruídos do baixo acompanham o vocal. Aliás, é nessa música que ele reservaria seu lugar no inferno se estivéssemos na idade média, tamanho ceticismo na letra.

O disco é moderno em vários aspectos. Um deles, é a relativa facilidade de se gravar um debut álbum numa qualidade padrão de produção. Seja por financiamento ou edital (o caso deste), as portas têm sido abertas com pequenos ventos. Outra coisa que notifiquei, que pode ser impressão minha ou não, é que raramente um artista tem lançado disco solo sem alguma parceria. E as parcerias costumam fazer as melhores músicas. Em Leite e Nata, um ping-pong de voz masculina/feminina (me escapa o nome de quem canta, perdona-me) cantam uma letra cheia de trocadilhos e de uma poética interessante.

No geral, o violão é quem mais dá a cara a tapa no disco. Entre uma música e outra você ouve algum violino, uma variedade de intrumentos de percussão, ares de MPB e em Dizharmonia uma samplezinha de Strawberry Fields Forever (daquele famoso quarteto inglês) que te pega despreparado.

O Rio Grande do Sul nos últimos anos tem sido um polo de formação de artisas jovens e independentes. Uma safra que aumenta a oferta pra uma demanda infinita que é a de gente pra ouvir. Nesse meio, Leve Embora é um disco pra ouvir com as janelas abertas com o sol rachando em alguma delas. Às vezes a estética do ambiente influencia nas canções. Tá dado o recado.

09 agosto, 2015

Júpiter Maçã @Theatro Treze de Maio

Foto: Ana Bittencourt / Rádio On The Rocks
Na última semana matutava quase que diariamente com alguns amigos sobre qual Júpiter veríamos na nossa frente neste show. Seria aquele pulsante e elétrico ou aquele com as pilhas fracas e mórbido? Dentre as várias facetas que já conhecíamos, o fato é que a espera pra ver ele foi muito grande. 

As cortinas se abriram e Júpiter tocava durante o show uma verdadeira salada mista no que tange as épocas de sua carreia. O novo, o já nem tão recente, o velho e o velho remodelado. Quando falo em novo me refiro à promessa de novo álbum que já se especula e que tudo leva a crer que terá uma roupagem mais folk. Se tiver curiosidade, procure por 'Constantine Empire', que leva a melodia de uma música sua que nunca foi gravada oficialmente: Doenças de Alma. 

Modern Kid, Um lugar do caralho, As tortas e as cucas, Beatle George...Todas presentes no set. Quanto à escolha do repertório não há muito o que se questionar, talvez pudesse se reivindicar algo como a Marchinha Psicótica ou Miss Lexotan, que ficaram de fora.

Mas o grande ponto da noite - infelizmente - não foram os clássicos da renomada carreira de Flávio Basso. Foi quando eu e meus amigos descobrimos qual Júpiter faria a apresentação que pairou sobre o teatro uma energia de desconfiança e lamento. Visivelmente debilitado pelo álcool, o cara via na sua frente (quando não virava de costas pro público) espectadores que com certeza tinham enorme carinho, respeito e admiração por tudo o que a sua carreira já havia proporcionado.

Foto: Atílio Alencar


"Quem compra ticket para Jupiter Apple, compra ticket para um filme de terror!" Frase expressa pelo próprio.

Por vezes o show se tranformava em comédia stand-up, momentos em que ele assumia o microfone para tornar público seus contos eróticos e coisas pornográficas non-sense. Longe de qualquer moralismo, mas o uso de palavrões fora de contexto foi demasiado e não faltaram expressões e discursos que imprimissem opressão às mulheres. Júpiter Maçã mais parecia uma criança cheia de hormônios e mal educada. Apesar de tudo, recebia aplausos meio constrangidos e risadas que justificam o "rir pra não chorar".

O show, que pontualmente começou às 20 horas, teve um repertório de 13 músicas e duração de 1h e 30min. A justificativa pra um show tão demorado pro número de músicas em questão se dá pela imprevisibilidade do Júpiter, que fazia com que uma música de 4 minutos durasse 8. Errava os tempos de começar a cantar, esquecia letras, não tinha noção de espaço apesar do palco grande e até mesmo o cabo da sua guitarra era uma armadilha, já que se enrolava a todo momento. A banda, que não deixava a peteca cair, chegava a ficar minutos tocando à espera de que Flávio Basso resolvesse cantar, o que - convenhamos - cansa.

Por tudo que aconteceu, não há como não deixar uma menção honrosa à banda que acompanhava o músico e aos dois roadies. Era um show que não dava brecha pra distração. Os olhos de todos eram voltados para o man, que dava muito trabalho, chegando a sumir do palco por vários minutos. Aí, triste/brilhantemente o sintetizador assume a voz que nos deixou órfão naquele tempo de espera pra cantar artificialmente as sílabas de Essência Interior. Ainda acho que o ambiente contribuía pra frustração. Pois ora, se tem duas coisas que repudio assiduamente assistir sentado, elas são: jogo de futebol e show de rock. O teatro não é o habitat natural do Júpiter Maçã.

Depois do show, conversando sobre as impressões, é unânime o sentimento amargo. Obviamente, é um momento nobre e raro ver ao vivo canções tão clássicas como as que eram apresentadas, mas aquela coceira na cabeça, a pulga atrás da orelha, essa não tinha como evitar. 

Lembro-me de ter ficado meio triste no início do ano, quando anunciaram que Júpiter estava se despedindo dos palcos com dois shows acústicos em Porto Alegre, dos quais não poderia ir. Depois da apresentação de ontem, fico pensando se não teria sido melhor para o próprio Júpiter ter tirado um tempo pra si ficando longe dos palcos. A obra dele está lá registrada, intocável, ninguém apaga a história muito menos desconstrói o que significa o Júpiter e sua importância na música gaúcha/brasileira. Só que o que foi visto foi melancólico, jamais havia sentido algo ruim ao sair de um show. 

É como entrar num carro com o motorista embriagado e torcer pra que não ocorra nenhuma fatalidade no percurso e chegue em casa bem. Aonde foi parar aquele menino que queria cantar como o beatle George? Júpiter precisa de ajuda, pra ontem - literalmente.

Matheus Donay